quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aniversário


Tive dois presentes inesquecíveis na minha vida.  Um, quando no meu batismo, ganhei uma bezerra de presente do TiZéCantídio, a quem papai tinha escolhido pra ser meu padrinho. 

Nunca vi, a tal bezerra.  Mas papai se desculpou comigo a vida toda, porque a bezerra tinha servido de lastro pra um furo de orçamento aqui de casa.  Papai jurava que ia, uma dia, me pagar os 3.500 seiláoquê[1] que ele tinha lançado mão da minha caderneta de poupança do Lavourinha.  

Minha vida toda, sempre que eu fechava o mês raspando, pensava no quanto esta bezerra do TiZé deve ter sido providencial e o tanto que deve ter sido difícil lançar mão da minha caderneta de poupança, mesmo se prometendo, um dia, acertar esta conta[2].
Isto deve ter sido entre 1955 e 60.

O outro presente, de aniversário, eu devia ter uns 14 pra 16 anos, ganhei no Estadual, de duas irmãs minhas, Lygia e Thereza.  Foram elas que me aplicaram n’O apanhador no campo de centeio, aliás.
Era um cachorro, formado por duas batatas, uma grandona (o corpo) e uma pequena (a cabeça).
O corpo e a cabeça do cachorro eram estruturados com palitos de fósforo, que davam pro pequeno animal uma leveza e uma fragilidade sem igual.  E que exigiriam de mim um cuidado com o qual eu não estava acostumado.
Demorei um breve tempo pra gostar do cachorro.  Aliás, gastei um tempinho pra me dar conta.  De início, olhei pra ele, meio sem entender, que presente era aquele que, do nada, tinha me sido apresentado.  Como assim, uma batata?  Acho que foi Lygia quem esclareceu minha dúvida:
-  Não é batata...  E um cachorro! falou ela, definitiva.
E aquele presente nunca mais saiu da minha cabeça.  Foi como se Lygia e Thereza tivessem me ensinado a atribuir valor para as coisas, a ter liberdade pra deixar a imaginação fluir.

Muito tempo depois, Rijane,a madrinha do Bazar do Desapego, me ensinava que presente bom mesmo é quando ele ganha significado.  Fora isto, ele só passa a fazer parte das bobagens que se vai juntando na vida.

Ontem, repetindo a tradição, ganhei um punhado de brinquedos de aniversário.  Se você quiser me dar uns, ainda dá tempo.  Depois, eu e Tomás vamos levar pros meninos que não ganham brinquedos.
Fala se tem alguma coisa melhor do que isto?


[1] Não tenho a menor ideia de qual era a unidade monetária da época nem quando valeria hoje os famosos 3.500 seiláoquê.

[2] A bem da verdade, nos meus sufocos, mamãe já deve ter me pago uma boiada...