quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aniversário


Tive dois presentes inesquecíveis na minha vida.  Um, quando no meu batismo, ganhei uma bezerra de presente do TiZéCantídio, a quem papai tinha escolhido pra ser meu padrinho. 

Nunca vi, a tal bezerra.  Mas papai se desculpou comigo a vida toda, porque a bezerra tinha servido de lastro pra um furo de orçamento aqui de casa.  Papai jurava que ia, uma dia, me pagar os 3.500 seiláoquê[1] que ele tinha lançado mão da minha caderneta de poupança do Lavourinha.  

Minha vida toda, sempre que eu fechava o mês raspando, pensava no quanto esta bezerra do TiZé deve ter sido providencial e o tanto que deve ter sido difícil lançar mão da minha caderneta de poupança, mesmo se prometendo, um dia, acertar esta conta[2].
Isto deve ter sido entre 1955 e 60.

O outro presente, de aniversário, eu devia ter uns 14 pra 16 anos, ganhei no Estadual, de duas irmãs minhas, Lygia e Thereza.  Foram elas que me aplicaram n’O apanhador no campo de centeio, aliás.
Era um cachorro, formado por duas batatas, uma grandona (o corpo) e uma pequena (a cabeça).
O corpo e a cabeça do cachorro eram estruturados com palitos de fósforo, que davam pro pequeno animal uma leveza e uma fragilidade sem igual.  E que exigiriam de mim um cuidado com o qual eu não estava acostumado.
Demorei um breve tempo pra gostar do cachorro.  Aliás, gastei um tempinho pra me dar conta.  De início, olhei pra ele, meio sem entender, que presente era aquele que, do nada, tinha me sido apresentado.  Como assim, uma batata?  Acho que foi Lygia quem esclareceu minha dúvida:
-  Não é batata...  E um cachorro! falou ela, definitiva.
E aquele presente nunca mais saiu da minha cabeça.  Foi como se Lygia e Thereza tivessem me ensinado a atribuir valor para as coisas, a ter liberdade pra deixar a imaginação fluir.

Muito tempo depois, Rijane,a madrinha do Bazar do Desapego, me ensinava que presente bom mesmo é quando ele ganha significado.  Fora isto, ele só passa a fazer parte das bobagens que se vai juntando na vida.

Ontem, repetindo a tradição, ganhei um punhado de brinquedos de aniversário.  Se você quiser me dar uns, ainda dá tempo.  Depois, eu e Tomás vamos levar pros meninos que não ganham brinquedos.
Fala se tem alguma coisa melhor do que isto?


[1] Não tenho a menor ideia de qual era a unidade monetária da época nem quando valeria hoje os famosos 3.500 seiláoquê.

[2] A bem da verdade, nos meus sufocos, mamãe já deve ter me pago uma boiada...



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sério?


Sempre tive muito medo, com esta minha mania de contar mentiras, que Tomás pegasse gosto pela coisa.  Mas fico muito satisfeito, orgulhoso mesmo, vendo ele fazer a distinção entre brincar de delírio e faltar com a verdade.  Tomás incorporou bem esta cisão, que eu acho vital no caminho da gente atrás da felicidade.

Descobri isto, brincando com ele no meu quarto, depois do banho.  Enquanto eu enxugava o menino, ele de costa pra janela, fingi um medo repentino e, pasmo, falei:
-  Tem um ninja na janela!
Tomás, claro, virou-se, rápido como o objeto da conversa, e eu, sem perder o pique, emendei:
-  Ele é como um raio.  Já foi embora.
E, como se não tivesse acontecido nada, continuei meu ofício de avô, arrumando o menino.

Tomás, com um leve esgar lhe rasgando a cara, perguntou:
-  Sério?
Claro que era sério, eu falava.  E repetia a brincadeira umas três vezes.  Em todas as três, Tomás virava pra janela, sorria e me perguntava:
-  Sério?
Foi assim que o código ficou estabelecido.

Outro dia ele chegou do Clic e falou comigo:
-  Vô, tinha um crocodilo na torneira do banheiro dos meninos.  Mas só eu que vi!

Foi minha vez de retribuir.  Perguntei pra ele:
-  Sério?
O menino não coube em si de contentamento.  Foi contando uma história cada vez mais fantástica do crocodilo, ele negociando pro bicho não sair porque ia assustar os colegas, convencendo a tomar o caminho de volta, torneira adentro...
-  Sério?, eu perguntava.
E lá ia ele enriquecendo a história, feliz em me deixar ali, brincando de morrer de medo.

Agora é assim: sempre que um quer avisar o outro que lá vem um ninja ou algum outro exercício delirante, o código é sempre este:
-  Sério?, seguido do sorriso.

Legal é que a gente guardou a intransigência do compromisso com a verdade.  Só pode brincar de inventar quando se lança mão do código.  Ainda não ocorreu nem uma vez de ele me mentir, sem lançar a mão do artifício.
E olha que ele é marrento.  Quando fala que não fez, não fez mesmo.  
Encara as consequências até o final!




Crédito da foto do ninja pra Tia Sophia Oliveira, um ás no gatilho

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Assez!



Francês fala assim, quando fica de saco cheio.  Eu ando desse jeito com Isadora, minha veia bailarina.  Não deu nem dois anos que Zé Vicente, meu personal cardiologist, desentupiu a bicha, e ela já veio encher o raio do meu saquinho.

Diz o ecodoppler que ela se mostra trombosada dos 8 cm a 11,5 cm acima da prega do cotovelo, ocorrendo oclusão total dos 8 cm aos 10 cm.  No popular:  entupiu geral.

Com o jeito abusado de sempre, Zé garroteou meu braço, deu tapinha aqui e ali, olhou pra mim e só então abriu a boca para o veredicto final, sério:
-  Você não consegue perder uns kilos não, rapaz?
O rumo da prosa não era novo pra mim.  Contei que, ao longo da minha vida, eu já devia ter perdido uns 320 kilos.  Ruim é que, sistematicamente, ganhava quase tudo outra vez.

Meu sentimento é que ele desistiu da conversa e se deu por vencido. Marcou logo a operação e lá fui eu, de novo, pro Zé e o povo dele me colocar dois stents zero bala.  Um, pra veia e um, pra artéria.

Acho que fiquei umas quatro horas com o braço estendido e ele me enfiando caninho,soprando balãozinho pra o resultado, no final, ser este que você vê aqui.


A resposta foi imediata.  O sangue, não encontrando mais a barreira da anastomose, abre um fluxo novo.  Isadora perdeu toda sua importância.  Não dependo mais da chatura dela pra minha hemodiálise.  Tá jorrando bonito...

Assez, Isadora.  J’en ai ras le bol![1]




[1]   Em homenagem a Kátia Becho, minha linda, que anda por lá.






sábado, 22 de setembro de 2012

Rapidinhas 14 - Primavera



Lisa me ligou duas vezes do Rio, hoje.
Ela já está cansada de saber da novidade. 
Quer dizer, novidade médio.  Acho que foi em 77 que eu aprendi a celebrar a vida com o Herval.  E, de lá pra cá, é sempre assim.
Depois que todo mundo vai dormir, eu corro ao banheiro e me barbeio para que o primeiro raio da manhã do dia 22 de setembro me encontre de cara limpa.

No começo era brincadeira.  Depois entendi a importância que tem pra mim a celebração da vida.

Feliz vida nova pra você e pra mim.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bah, remédios, ...



Eu sempre fiquei muito incomodado com a espiral perversa que acontece quando você está doente.
Os remédios mais caros, que são  um direito constitucional, garantíveis com apoio jurídico do Ministério Público, me foram conseguidos pela ação competente daminha personal attorney, Dra LilianBeatriz.

Mas aí começa a tal espiral.  Lilian, irmã da Lisa, não aceitou me cobrar um pluto.  Quer dizer, a gente, que tem amigo influente e gente fina, resolve a coisa na boa.  Agora, se você é pobre, fica morrendo de medo de recorrer a advogado e acaba perdendo a possibilidade.

Esses dias dei pra me defrontar, de novo, com a espiral perversa.  É que a maior parte dos remédios que eu tomo estão sendo distribuídos nos postos de saúde.  Só que, de maneira recorrente, falta um, às vezes falta outro, às vezes faltam vários.  Quase nunca minha lista é entregue completa.
Tudo bem.  A gente acaba comprando o que falta.  Mas é duro ver gente saindo do posto de saúde, arrasada, por não encontrar o remédio que precisa e não tem grana pra conseguir.

Agora a coisa piorou.  Até Ruy Castro reclamou, numa crônica dele da semana passada, da moça da farmácia que dizia assim:  "A importação desse medicamento foi descontinuada".  A crônica fala sobre a confusão que as farmácias viraram, disputando clientes com os supermercados e abandonando o que nos parece, a mim e ao Ruy Castro, sua vocação original, que é resolver nossa necessidade de medicamentos.
E completa ele:  “Não precisa ser algo complicado, como um dentifrício especial para boca seca, ...”
Imagino que ele esteja se referindo à Biotene que eu já bati palmas aqui,  em um comunicado de interesse público no post citado anteriormente.

Não há Araújo ou DrogaRaia que resolva meu problema.  Nem se você for rico agora pode comprar, com esta história de fornecimento descontinuado.

Se você estiver indo ou voltando dos Estados Unidos ou da Europa, compra logo umas duas ou três pastas de dente e manda a conta pro meu cartão, por favor.

Ando apavorado, com medo de não arrumar uma forma de tratar bem minha boca, sem ser bebendo água.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Gentileza Urbana



Melhor seria se o título começasse com Falta de.
É que eu ando cada vez mais sem paciência com a arrogância das lojas em Belo Horizonte, quando elas pensam que as calçadas fazem parte de seus domínios.

Outro dia descasquei aqui nest’A Saga, entre outras, as duas lojas da esquina da Bernardo Figueiredo com Afonso Pena, que, assim me parecia, preferiam perder as árvores de seus passeios a perder o lugar para que seus clientes pudessem, com seus carros, expulsar os pedestres. (Ops, quase falei transeuntes).

Fico morrendo de dó do velhinho que agora mesmo eu vou ser que, não tendo como andar nas calçadas, vai ter, agora mesmo, que disputar espaço com os carros, nas calçadas e nas ruas, correndo o risco de levar um safanão que o transporte direto, na melhor das hipóteses, para um CTI.


Curiosamente (e claro que não foi o poder dos leitores dest’A Saga), os gestores d’A Tabacaria [1] resolveram a questão de um jeito mais civilizado.  Alugaram um lote na Afonso Pena, em parceria com a Vídeo Dumont, e colocaram à disposição dos clientes.  Do jeito que gente do primeiro mundo faria.


Enquanto isto, sem aprender a lição, a loja de lingerie da esquina nem dá bola.  Já vi umas duas vezes o pessoal da BHTrans aparecendo para multar.  Mas, de novo, minha impressão é que a ganância encarregou um vigilante de amaciar a ação dos fiscais e de mobilizar os eventuais comprantes para, em caso de blitz, fugirem rapidamente das merecidas multas.


Parece que a função dele é a mesma dos camelôs gritando “olha o rapa”, pra dar tempo de ninguém ser pego.


E só carrão de bacana, olha pra você ver.  Tinha tudo pra ser primeira página do blog que Maurilo [2] tinha, o Boa, Filhão, especializado em abusos deste tipo...




[1]  Aproveito e recomendo o almoço de lá.  O prato executivo fica a partir de R$17,00 e a parrilla é fantástica.  Coisa do Weberson, que foi meu aluno no Turismo da PUC.




ps:  Adoro, quando vejo Tomás cantando e entendendo esta canção.  Foi Laurinha Martins que me lembrou que isto é uma aula de ética pra crianças.  E é mesmo! 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Investimento


Minha vida toda, do meu jeito atabalhoado, fiquei sempre preocupado com o que ia deixar pros meus filhos e netos. Principalmente depois do susto que o câncer me deu, o assunto ficou recorrente nas minhas inquietações.
Mas esses dias resolvi que quero que Tomás e os próximos netos tenham o que a vida pode lhes dar de melhor.

Resolvi investir em imóvel na planta.

Não encontrei nada que desse melhor rentabilidade para o futuro do Tomás.  E a coisa tem se demonstrado um sucesso.  Tudo funcionando às mil maravilhas...
Sabe aquela felicidade que você fica quando as ações nas quais você apostou tem uma alta record?  Pois é.  Tomás tá assim agora.  Anda com o burro amarrado na sombra.


O foco de suas atenções agora está voltado pra sua casa na árvore.  Não sai de lá nem pra atender telefone.  Só escuto ele falando, quando alguém chama:
-  Tô ocupado...


Não sai de lá nem que a vaca tussa.  Tá sempre cuidando do local.  Coloca uma flor aqui, uma mesinha pra fazer seus trabalhinhos ali, seus tambores e atabaques[1] ...
O lugar tá cada dia mais arrumado.
Semana passada ele inventou que queria uma geladeira na casa.  Pegou um isopor, colocou umas frutinhas, suco de manga e gelo, e refestelou-se como se a coisa tivesse ganho uma classificação 5 estrelas da Embratur.


Mas não pense você que vai entrando, quando chegar lá.  Tem que obedecer as minhas regras, ele avisa.
Nem o Brutus, o gigantesco filho da Nera, nossa dinamarquês (R.I.P. U), com o Fidel, o pachorrento labrador do Meu Sítio, foge à regra.


Fico lembrando, vendo Tomás, de uns versos de Fernando Pessoa que me desafiam, desde que me defrontei com eles, pela primeira vez:

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da verdade.

O que o futuro te reserva é isto, Tomás.  O sonho.



Crédito das fotos para a avó da criança, em um celular Nokia, daqueles velhos e fulêros.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Picnic


  
Ahmed outro dia me aplicou no Baixo Bahia Futebol Social, um grupo de gente que se apropria dos espaços urbanos e bate uma bolinha, normalmente de madrugada, nas ruas e praças de Belo Horizonte.  Meninos, meninas, tudo misturado, mas todo mundo disposto a dar outros usos para os espaços urbanos.  A mesma cara do texto que Marcelo Xavier retratou na sua crônica semanal do Hoje em Dia [1] da semana passada.  Segundo a Veja, é tendência na Europa...

Pensei neles dois quando Diogo e Carol resolveram fazer um picnic pra celebrar o aniversário do Tomás, sábado passado.  Chamaram os coleguinhas do menino com os pais e lá fomos nós, curiosos com os caminhos para onde a novidade nos levaria. 


O lugar escolhido foi a Parque Professor Amilcar Vianna Martins, do lado da Fumec (ali, onde fica a primeira caixa dágua de Belo Horizonte.  Neguinho costuma chamar de Praça da Copasa).
O lugar é deslumbrante.  De lá Belo Horizonte se descortina, despudorada, pra você, em um gramado super bem cuidado, cheio de brinquedos.  Você só tem que entrar no site da Prefeitura e avisar que está indo.



Tia Ciça e Carol se incumbiram da produção e a coisa parecia não ter mais fim.  Arrumaram os comes e bebes espalhados em toalhas de chita pelo chão, todo mundo no self-service.  Foi um tal de arranjar atividades que, pros meninos, não teve melhor.  Todo mundo se lambuzando na tinta guache, giz de cera pra todo canto e as primas grandes todas empenhadas na função.   E a gente dizendo quer era oficina de artes. 


Enchemos uns bauzinhos antigos de moedas de chocolate e empreendemos a caça ao tesouro.  E enquanto os meninos, ensandecidos, buscavam pistas que os levasse ao local desejado, um outro grupo ia montando a mesa com os cupcakes que tomaram todo o dia anterior de preparação. Tomás mal conseguiu soprar o bolo, de tanto que os coleguinhas ficaram siderados com as surpresinhas supercoloridas.


E, na boa, ninguém se estressou, todo mundo cuidando de todo mundo, todo mundo ajudando todo mundo. 

Denis, irmão do Diogo de longa data, dizia pra mim que os aniversários dos amigos dos filhos dele que ele ia tinham a impessoalidade de um corredor de shopping.  E que ele, ali, ficava estimulado a interagir nas brincadeiras com os meninos.
     

Drama digno de registro:  não tem banheiro.  As crianças se desafogavam sem o menor constrangimento.  Nós, grandes, éramos obrigados a correr na Fumec, voltando aos tempos de universitários.




[1] Marcelo agora escreve no jornal toda terça.  Você pode acompanhar as últimas crônicas pelo perfil dele no facebook.



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Surdo Oralizado


A primeira vez que Boni falou comigo de Sociedade Inclusiva, nem entendi direito do que se tratava.  Nada mais razoável.  Afinal, eu já sou incluído desde pequenininho.  Mas outro dia apareceu, nas redes sociais, um movimento por causa da falta de acessibilidade em bancos para Surdos Oralizados (e não oralizados). Os bancos exigem que os surdos comprem um aparelho especial caríssimo, que só tem a função de ligar pra outro aparelho especial. Ninguém tem esse aparelho! Então, vários serviços bancários continuam inacessíveis! Isso é uma injustiça, em tempos que se fala de acessibilidade universal.

À época, a idéia era fazer um panelaço.  Por que o panelaço? Porque os bancos brasileiros acham que acessibilidade é nos dizer: ligue para o 0800 de deficientes auditivos e fale através dele. Acontece que esse 0800 é uma enganação. Requer que a pessoa possua um telefone especial TDD que ninguém quase tem, porque se trata de uma ‘tecnologia’ totalmente obsoleta. Nos dias de hoje, chega a ser uma piada pedir que um surdo oralizado (que se comunica oralmente e não utiliza Língua de sinais) tenha um TDD em casa.
Os bancos necessitam urgentemente de gerentes capacitados para lidar com clientes com deficiência auditiva.  É muito fácil mandar ligar para o 0800.  Mas e como fazer?  Pedir para um parente ou amigo fingir que é a pessoa surda ao telefone?  Isto é fraude, além de nunca dar certo.

Mas parece que a coisa está mudando.  Claudinho Ferreira, meu personal communications engineer, manda notícias.  É que uma parceria entre o Inatel e a Secretaria de Ciência e Tecnologia de Minas vai possibilitar o desenvolvimento de equipamentos para atender pessoas com diferentes tipos de deficiência.  O projeto passa pelo desenvolvimento e fabricação de instrumentos tecnológicos que assegurem autonomia e independência a pessoas com deficiência.  Acabou gerando o Centro de Transferência de Tecnologia Assistiva (CDTTA), inaugurado no começo de agosto em Santa Rita do Sapucaí[1].

O foco é a aposta na melhoria de qualidade de vida aos deficientes. O Centro é resultado de parceria com o Inatel – Instituto Nacional de Telecomunicações, com sede naquela cidade. Terra de gente doida.  O Vale do Silício de Minas Gerais.

O Centro estará integrado às ações já desenvolvidas pela área de engenharia biomédica do Inatel. Com a experiência acumulada de ser uma das seis instituições de ensino no Brasil que oferece o curso de graduação em Engenharia Biomédica, o Instituto vem desenvolvendo inovações desde 2003.  Não tenho dúvidas que isto vai resultar em melhoria e inclusão na vida de um tanto de gente.

Manda notícias sempre, Claudinho. 



[1] Por coincidência, foi lá em Santa Rita que est’A Saga começou.  

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Série Turismo para gente especial 6



A melhor notícia que me aconteceu, desde que eu inventei que queria ver Paris de novo, foi a descoberta do CDAM – o Certificado de Direito de Assistência Médica.
É uma bela descoberta pra nós, deficientes físicos, e até pra você, em pleno gozo de suas funções vitais mas que não quer correr risco à toa.

O CDAM é uma espécie de garantia de atendimento SUS nos países com os quais o Brasil tem convênio.  No Mercosul (Argentina e Uruguai) não chega a ser grande vantagem: a gente já tem direito.
Mas o convênio do CDAM estende a proteção médica ao Chile (na América do Sul) e a Portugal e à Itália (na Europa).

O acolhimento é de acordo com a Classificação de Risco do Protocolode Manchester.  Em você estando com a unha encravada, vai ser atendido depois de quem está com uma parada cardíaca, por exemplo.   O que, diga-se de passagem, me parece mais do que razoável.


O que mais me surpreendeu na história foi a presteza e a delicadeza do pessoal de atendimento do Ministério da Saúde.  Em Belo Horizonte, funciona na Rua Espírito Santo, 500 – sala 1203 e o atendimento é feito por duas pessoas que esbanjam boa vontade e prontidão: a Deusdedith e o Adriano.  Não passam nem perto de um eventual estereótipo que você possa fazer de um funcionário público ruim de serviço.
Os dois se esmeram nas explicações e na preocupação de saber se a gente entendeu direito.  Você pode experimentar falar com eles pelo telefone (31)3248-2840 e 3248-2814.  Ou, se não for daqui, liga direto pra Brasília (61)3306-7207 e veja qual é o lugar mais perto de você.

Os dois me esclareceram tudo previamente, por telefone.  É preciso levar um comprovante da sua relação com o INSS (no meu caso foi o extrato do benefício da aposentadoria.  No seu, pode ser o seu contracheque, mostrando o desconto do seu salário), original e cópia do CPF, da Identidade e o Passaporte (com o xerox das páginas de identificação).  Pra melhorar ainda mais, o benefício pode ser estendido à pessoa com quem você vive (mulher, marido ou companheiro) [1] e aos filhos de até 21 anos.
O CDAM vale por dois meses.  Caso você vá ficar com um residente no destino (um local que seja sua base na viagem - não pode ser o endereço de um hotel) a validade fica estendida para 6 meses.  E, vapt vupt, fica pronto em 48 horas. 
Eu fiquei maravilhado.

Aí você me pergunta:  e a França, que era o assunto do começo do post?  Pois é.  Nisto eu dancei.  O princípio da reciprocidade diplomática restringe a relação só entre Brasil, Chile, Portugal e Itália. 
Mas já é um belo de um começo, não é não?


[1]  Imagino que a questão, hoje, abranja a união estável.  Mas pergunta, por via das dúvidas...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Meu prazer maior



Meus meninos adoram pegar no meu pé pelo tanto que eu choro com qualquer coisa.  Particularmente quando esta coisa diz respeito a um deles, aí eu me desmancho.  Choro com formatura[1], choro quando adoece, choro quando casa, choro quando sai de casa, choro agora, escrevendo isto.  Eles não conseguem enxergar uma gota de sentido na questão.  Só riem, enquanto eu me debulho.

Outro dia me deparei com um texto do Maurilo, do Pastelzinho, que reflete com intensa precisão o significado da minha paixão com o ofício de ser pai e é até um dos motivos pelos quais eu me espelho em São José quando penso na missão que a gente recebe, quando os meninos passam a fazer parte do nosso caminho.  Acho este texto do Maurilo um presente pra quem se decide a ser pai na vida.

“Há duas grandes certezas na vida de um pai, duas grandes verdades contra as quais não cabe réplica ou ajuste. 
A primeira é imediata, quase violenta em seu impacto: ele nunca foi tão feliz. Pouco importa o que tenha vivido, onde tenha ido ou quem tenha comido, ele nunca, absolutamente nunca, sentiu-se assim.
A segunda foge-aparece no canto do pensamento, repisca num cochilo e, súbita, toma conta de tudo: ele nunca teve tanto medo. Pouco importa o salto de pára-quedas, os filmes de terror à meia-noite, o valentão da escola, ele nunca, absolutamente nunca, sentiu-se assim. 
Pais têm um medo que a luz não cura, que o riso não espanta, que não é o susto. É algo que agora faz parte do dia e pronto. Pais convivem com o medo como quem sabe perfeita e inevitável sua mortalidade. Ganham uma noção sem precedentes da própria presença. E, conseqüentemente, da própria ausência.
Um pai vai te contar como ele é feliz, mas nunca vai falar sobre o medo. Mesmo que você o descubra chorando ao ver o filho dormir.”

Maurilo ainda não sabe.  Mas quando aparece um neto, a felicidade cresce, quando você achava que não havia mais jeito de.
E com o medo, acontece a mesma coisa.


[1] Do pré à faculdade, chorei em todas.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Flautista de Hamelin



Marcelo Xavier[1] é doido.  De pedra.  Tira as coisas da cartola e, do nada, as idéias vão tomando corpo. 
O delas e o nosso.  E nós, ainda sem entender direito, embarcamos na onda como que encantados pelos apelos sedutores de um flautista de Hamelin.

Dia desses recebi uma convocação pra ajudar ele neste delírio.  No início, ninguém sabia ao certo do que se tratava.  Que era contra a intolerância, era evidente.  Marcelo queria uma coisa um pouco mais refinada.
É contra preconceito de raça?  É também, acenava ele, rindo.
É contra preconceito religioso?  É também, acenava ele, rindo.
É contra preconceito de gênero?  É também, acenava ele, rindo.

Generoso, Marcelo anda atrás de um conceito mais amplo.  E não explicava nada pra gente.  Espalhou a ilustração que fez e deixou que a gente entendesse da forma que melhor aprouvesse a cada um.

Até onde eu alcancei, vai ser a celebração da complacência e da tolerância.  Como?  Você vai ter que estar presente, pra manifestar de que maneira você entende isto.
Não por acaso, Paulinho Saturnino, um dos nossos mestres do assunto, citava hoje Rosa de Luxemburgo, que queria pra nós todos um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.  Acho que é alguma coisa assim que anda pela cabeça do Marcelo.

Sugere que cada um vá com um guarda chuva, o mais colorido que tiver.  Pra que? perguntei eu pro Marcelo.
Pra ficar bonito, ele completou, com um sorriso imenso lhe enfeitando a cara.

Vai ser na Praça Duque de Caxias, onde a gente fez a NefroWalker da Despedida do Bolão.  Sábado agora, a partir de uma da tarde.
Aparece lá.  A festa começa mesmo é na hora que você chegar.



[1] Ia colocar uma referência mas desisti.  É melhor você escrever o nome dele na caixa de pesquisa do blog e deve aparecer uma quantidade interminável de posts falando no cara.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Onde foi que perdemos a mão



Na época, ninguém chamava de bullying.  Era até meio que socialmente aceito, quase uma demonstração de tirocícinio.  Eu e Boni Fácil fazíamos um curso que nos exigia alguma proficiência em inglês.  Acontece que, nascido em Rodeador, nas grotas do Jequitinhonha, Boni tinha a maior dificuldade de falar o th ciciado que a professora queria da gente.  E ela, sempre que perguntava o endereço, ouvia dele: 
-  Penafiel Street, tri randred sarti.
Eu me estabacava no chão, rindo da dificuldade dele em falar o 330 de seu apartamento em inglês.

Um dia, Boni me chamou e, com a cara e a voz mais suaves do mundo, me explicou o quanto era cruel aquela brincadeira minha, que só ampliava a dificuldade dele.  E que ele não entendia como me dava tanto prazer, sabendo da dificuldade enfrentada.
Aquilo estalou como um tapa na minha cara e, daquele dia em diante, eu comecei a aprender a ter cuidado com o mal que minha língua ferina podia fazer.
Já se passaram alguns anos[1], a coisa se repete na minha cabeça, como se estivesse acontecendo agora, e eu não me canso de agradecer o Boni pela forma que ele conduziu a coisa.
(Mesmo que ele, talvez, nem se lembre desse caso)

A história me ocorreu por causa do I Fórum de Educação que o Instituto Hartmann Regueira promove nos dias 31 de agosto e 01de setembro em Belo Horizonte.

Serão discutidos temas como o bullying no ambiente escolar, a forma como a violência acaba nos atingindo a todos, o ponto de vista legal mostrando como sua prática colide com os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, e, principalmente, casos concretos com estratégias bem sucedidas de intervenção e prevenção do bullying.  Se você der uma passeada pela programação, vai ver só gente fera e conteúdos extremamente relevantes.

Tirei o título deste post do artigo da Lídia Aratangy, onde ela aponta que “o maior risco que ameaça nossa juventude é o cinismo. Se os jovens acreditarem que não têm nada a ver com o que acontece à sua volta, perderemos a chance de ter um mundo melhor”.


[1]  O curso que a gente fez foi em 75.  Eu ainda nem era casado e Boni Fácil já era um dos homens mais importantes da minha vida.



terça-feira, 24 de julho de 2012

Série Turismo para Gente Especial 5



Viajar pra gente que nem a Laurinha exige só desapego, pra se jogar, e informação, pra saber onde vai acontecer o pouso.  No caso nosso, os pacientes renais crônicos, era pra ser muito mais simples.  Era só ter um seguro saúde bacana e recorrer às informações oferecidas pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.

Pois é.  Era pra ser... 
O site da SBN tem um caminho que aponta todos os locais no Brasil onde você pode contar com estrutura médica séria e legal.  Pra melhorar, acho que as clínicas todas disponibilizam um profissional de assistência social que cuida de todos os trâmites para que nosso trânsito ocorra sem sobressalto.  Aí, você pede a autorização ao auditor do seu convênio ou, se for o caso, a equipe de assistência social faz o contato através do TRS – o organismo do SUS que cuida da Central de Vagas – e ele direciona sua solicitação para o local mais adequado.
Agora, se oseu seguro saúde for, digamos assim, meia boca, você pode encontrar muita emoção pela frente.  É possível que seu plano de saúde crie obstáculos para autorizar a sessão fora da sede.

Pois é.  Burocracia 1 x 0 Valente.  Apesar desta aparente facilidade toda, tomei a maior sova da burocracia pra viabilizar um final de semana prolongado em Resende.

Mandamos os exames por fax.  Só a 24 horas da partida ficamos sabendo que o fax não havia chegado.  E que, para o plano de saúde ou SUS eram exigidos os documentos com uma antecedência de 72 horas.
O diretor da clínica, com quem Nando meu irmão estava mexendo os pauzinhos, até se propôs a corrigir os desvios de rota (sei lá de que maneira).  Mas achei que seria fundamental aprender com o erro pra não deixar que ele acontecesse de novo.

Hoje vou tentar entender com o povo da hemo o que aconteceu para ver se a coisa fica mais fácil pra nós todos da próxima vez.

Em São Paulo tem a Única – Gestão Transparente de Saúde, que lançou uma cartilha pros pacientes renais crônicos dela.  Ela atua nos hospitais Beneficência Portuguesa de Santos, Hospital e Maternidade São Camilo de Santana SP, Hospital Bandeirantes SP, Hospital Regional do Vale do Paraíba Taubaté e Conjunto Hospitalar de Sorocaba – SP.
Não é o meu caso mas é um bom começo. 



sábado, 14 de julho de 2012

Zero Sal



Quando eu comecei a almoçar na hemo, a decisão foi puramente operacional.  Era muito mais cômodo pra mim resolver a preocupação do povo lá de casa com essa coisa de fazer pratos especiais que não fizessem mal pra minha nova condição de paciente renal crônico.  Eu já chegava em casa almoçado e assim era só sentar na mesa pra bater papo[1],

Eu ficava meio histérico, fugindo do sal feito um maluco.  
De um lado, Ives, personal chef dest’A Saga, vive inventando moda pra nós.  Já fez caldo de costela, Salada Caesar, tudo temperado rigorosamente dentro dos parâmetros nefrológicos.  
E do outro lado, o esforço do povo daqui de casa em não deixar que o sabor fosse embora, inventando temperos que acabavam fazendo minha comida ficar maravilhosa.

Comer na hemo tem um inconveniente:  a comida é muito feia.  Vem em uma marmita amontoada, sem a menor preocupação estética.  Uma paçoca só.  Mas com um efeito colateral que compensa tudo.  Zero de sal, a comida elimina, na raiz, qualquer vontade de beber água.  Passo a tarde toda sem lembrar de beber água.

E acabou que eu fui tomando gosto pela coisa.  E a achar muito melhor comer lá que em algum outro restaurante, desses de onde eu saio com a boca seca, morrendo de sede durante toda a tarde.

Esses dias, no facebook da Inezinha, vi uma campanha do Ministério da Saúde estimulando a redução do consumo de sal.  O mais comum pra mim é um caminho quase radical.  Faço esta mistura que eles recomendam, mas trocando esse pouquinho de sal por mais ervas.  Incluo cebolinha, alho desidratado, tomilho, cominho, chimichurri, e tudo de tempero que eu acho.  Já fiz até pra mandar pra uma amiga de São Paulo, a velha Sakana, que ainda enfrentava dificuldades em abolir o sal da comida...

Recomendo vivamente que você experimente.  Faça esta receita recomendada pelo SUS, acrescente mais as ervas que você gostar (estas minhas ou outras) e vai prestando atenção de onde você vai extraindo mais sabor.  Você vai aprender que tomate é tão doce que é quase sobremesa.

Hoje, na hora do almoço, é mais comum os meninos reclamarem quando a comida está mais pra salgada que o contrário.  Fora que os temperos acabam perfumando a casa toda.


[1] Às vezes, pra eu derramar minhas implicâncias e chaturas em quem estivesse à mesa...


ps:  Indo a Gonçalves, aproveite pra se hospedar na Pousada Trem das Cores, do Cantidio