terça-feira, 29 de junho de 2010

Réquiem - 89



Marcelo é doido comigo.
Quando o livro Asa de Papel foi publicado, autografou o meu assim: 
“Pra meu amigo, amigaço, que abriu meu coração me oferecendo o seu.
Marcelo”

Depois o livro foi publicado para a América Latina (o título ficou Ala de Papel), e Marcelo lascou uma dedicatória no meu que garantiu a ele a perda de qualquer chance, por mínima que fosse, de ser indicado pra Academia Portuñolesa de Letras:
“Pablito, no es uno mas pero, solamente, el mejor!
Su amigo de siempre
Marcelo

Até aí, tudo bem.  Mas na opinião do Diogo, meu filho, o que pegou mal foi “Meu amigo mais antigo” ter sido lançado no Dia dos Namorados.  Diz ele que Gêisa ia se roer de ciúmes...

Ainda assim, tudo bem.  O caldo entornou mesmo foi quando o lançamento do livro mereceu a capa do caderno de Cultura de um jornal daqui de BH.  O jornalista se derrete em merecidas loas pro Marcelo.  E lasca lá o que eu transcrevo abaixo:
“...
O novo livro, especialmente dedicado ao amigo dos tempos de faculdade, Paulo César, que está enfrentando problemas de saúde, Marcelo Xavier considera seu primeiro projeto francamente autobiográfico.
...”

Marcelo ficou tão sem graça que escondeu a matéria de mim enquanto pode.  Ficou parecendo que eu estava no leito de morte.  No dia que eu consegui comprar o jornal, ri muito da falta de graça dele.

Já ele, não achou a menor graça...


domingo, 27 de junho de 2010

Pedro, de novo... - 88



Talita, minha personal social assistant lá da hemo, vive inventando um jeito da nossa vida ficar mais interessante.  Deu a maior força quando eu fui mexer com o INSS, ajuda o povo a conseguir cartão de gratuidade no transporte urbano, leva palestra pra nós, já levou música, contadora de história e mais um punhado de coisa.

Esta semana teve festa de São João a semana toda.  Tinha caldo de mandioca, forró comendo solto, bandeirinha, uma alegria só...  A clínica parecia a praça de Campina Grande, na Paraíba. 

Dona Ana[1], que é de longe a mulher mais elegante da clínica, foi toda trelelê na quarta, vestido de chita, a jeca mais linda que você pode imaginar.  E ela fez questão de arrazar.  Saia andando com o porte altivo, certa que estava fazendo o maior sucesso.  E estava mesmo.

E eu lá, fazendo o maior sucesso.  Dancei com Talita, com a Darlene, minha personal psychologist, me acabei, até o Taíque aparecer pra me buscar.
Aí, eu, que sou de longe o jeca mais danado da clínica, já marquei com Dona Ana o casamento na roça, na hemo de sexta feira.

Mal aguentei esperar a sexta.  Tasquei um remendo de chita numa calça, arrumei um cinto de cadarço, enchi minha sobrancelha de rolha queimada e desfilei todo faceiro, disposto a fazer o mó bonito.  Parecia o dia que eu fui no Delfim Moreira.

Só que eu sou o mais danado mas sou muito ruim em logística.  Esqueci que na próxima sexta, todo mundo só tinha cabeça pra o jogo da Copa do Mundo.  Dona Ana, e mais todo mundo, com camisa de Brasil, peruca de Brasil, óculos de Brasil.  Até vuvuzela apareceu naquele suposto ambiente hospitalar.
Ninguém deu a menor bola pra minha roupa, totalmente fora de contexto.

Pra piorar minha situação, o marido de Dona Ana já estava esperando desde 10:45, doido pra ir logo pra casa, ver o jogo.

Mais uma vez, cumpriu-se a tradição.  Pedro, no caso o marido de Dona Ana, fugiu com a noiva e eu, de longe, virei o Antônio da música, que passava mais desapercebido naquela clínica.

Diacho de Copa do mundo mais fora de hora...
   
  
  

[1] Deve ser a mesma antipatia de me chamar de Seu Paulo.  Aposto que todo mundo na família só chama ela de Ana.

terça-feira, 22 de junho de 2010

De lá pra cá... - 86


Eu saí do hospital no dia 15 de setembro.  Lembro direitinho, meio chapado ainda com a anestesia, de ter ouvido uma conversa de alguém com Diogo sobre acompanhar de perto uns pontinhos de câncer que ainda estavam no meu rim.  Que eu precisava ficar de olho, pra ver como a coisa evoluiria.
Na hora, claro, fingi de morto, doido pra não ter ouvido.

Dali, fui pra primeira consulta pós-operatória com Leco, meu personal oncologist, no dia 18 de setembro.  E de lá pra cá, depois de uma boa bateria de ressonâncias, ultrassons e mais um tanto de exame, tenho visto o Leco pelo menos uma vez por mês.
Este tempo todo não apareceu nenhum vestígio do tumor.

Pão, pão, queijo, queijo, não quer dizer nada.  Que nem não apareceu, a coisa pode voltar e me deixar arrancando cabelo, de novo.  Mas esta chance, como dizem o autor do Anticâncer, David Servan-Schreiber, e o Willian Li, no TED,  na Edição Extraordinária 16, nós todos temos um câncer crescendo dentro da gente.  O que parece ser minha vantagem é que agora eu vou ficar escaneando meu corpo a vida toda. Convém nós todos acompanharmos nós todos de perto.

Lina, amor da minha juventude, filha da Dona Branca e prima da Bonequinha de Porcelana, me aplicou num livro chamado Nutrição Cerebral, organizado pela Lúcia Seixas e publicado pela Objetiva.  O livro fala sobre como os smart nutrients interferem no cérebreo e combatem o processo de envelhecimento.
Estou adorando...

Valente mantem-se atento, distribuindo porrada quando necessário.  Meu emagrecimento resultou numa surpreendente normalização da pressão e da glicose.  Acho que boa parte destes quilos que perdi foi só água que eu carregava a mais no corpo.
Com isto, claro, imagino que eu precise eliminar bem menos xixi do que logo depois da cirurgia.  A quantidade agora estabilizou em 600, 700 mililitros diários

Mas, Jesus, o xixi continua fedorento que só ele.  O que pra mim é um excelente sinal de que o Valente continua fazendo um bom trabalho.

Sorte minha.

Como diz o Zéalencar, vai ser tudo como Deus quiser...



domingo, 20 de junho de 2010

Saúde Pública - 87


Saiu uma notícia da UFMG dia 18 de junho sobre uma dissertação de mestrado em Saúde Pública, de Gisele Macedo, defendida na Faculdade de Medicina da UFMG. A população analisada foi de 25.557 pacientes do SUS, que iniciaram tratamento hemodialítico entre 2000 e 2004.

Diz a autora que 31,25%, dos pacientes renais brasileiros estão expostos a riscos de infecção, internação e inclusive de morte.  Tudo por que 80% dos pacientes com doenças renais crônicas que começam o tratamento usam um tubo, o cateter, que deve ser temporário.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, recomenda um prazo máximo para uso de “acesso de emergência” seja de 90 dias. É o tal cateter, que eu falei com você na Edição Extraordinária 03.  Só que, na prática, o pessoal que é atendido pelo SUS costuma exceder este prazo, permanecendo um mês a mais com o cateter.  É aí que nasce o perigo. 

A orientadora da dissertação, a professora da Faculdade de Medicina Mariângela Leal Cherchiglia, fala que “... o correto seria encaminhar esses pacientes rapidamente para a confecção de um acesso vascular permanente, chamado fístula artério-venosa, ou FAV”.  Mas, segundo a dissertação, "... há número insuficiente de profissionais no SUS para fazer a FAV”.

Na pesquisa, Gisele Macedo sugere a utilização do período entre a entrada do paciente na clínica de diálise até o dia da confecção do acesso vascular permanente (FAV) como indicador de qualidade que possibilite o monitoramento desses serviços. "Acredito que, assim, as clínicas de hemodiálise se esforcem para diminuir esse prazo”, conclui Gisele Macedo

Tenho pra mim que ninguém lá no Núcleo de Nefrologia fica mais de 3 meses com o cateter.  Meu caso, por exemplo, que foi especial por causa do meu sobrepeso, ficou difícil da artéria amadurecer.  Eu implantei o cateter de longa duração no dia 18 de setembro, sexta feira.  Ao menor sinal de infecção, providenciaram a substituição do cateter de longa duração para um outro cateter.  Com isto fiquei por exatos 3 meses, mas com dois cateteres diferentes no período.

Mas aí volta ao velho assunto da desigualdade social deste país, do post 82.  Como eu estou longe de ser o público da pesquisa, não conheço nem de perto o que o povo do SUS passa.  Só fico muito satisfeito de nunca ter percebido, lá no Núcleo, nenhuma diferença de tratamento entre quem é SUS, quem é conveniado ou quem é particular, se houver.

Agora, acho que todo mundo que notar QUALQUER DIFERENÇA NO TRATAMENTO, em QUALQUER CLÍNICA DE HEMO que estiver, tem mais é que botar a boca no trombone.  




quinta-feira, 17 de junho de 2010

Incapaz - 85


Mamãe já está velhinha, velhinha, tadinha.
Os joelhos, nem de longe, acompanham o vigor da cabeça dela, que dá notícia de tudo e é dona de uma lucidez que nos orienta a todos, esses desmiolados que ela colocou no mundo.
De vez em quando rateia em detalhes absolutamente desimportantes, coisa que eu faço com muito mais frequencia que ela.  E que, do alto dos seus 80 e uns anos, é direito mais do que adquirido.

Lá em casa a gente montou um rodízio e de vez em quando um de nós dorme com ela.  Outro dia, eu falava com Renata, foi minha vez.  E eu adoro.  Ela conta casos de política dela, brigas de namorado com papai e, no final, a gente acaba dormindo lá pela uma da manhã.

Uma vez, era meu dia no rodízio, ela quis acompanhar a gente no Meu Sítio.  Lá fomos nós, todo mundo, no caminho do nosso pequeno paraíso em Cachoeira da Prata.  Todo mundo mesmo:  Diogo, Carol e Tomás, Ciça e Cris, Lisa e eu e Gêisa.

No sítio, é confusão o tempo todo.  Gêisa na horta com Tomás, Carol inventando na cozinha, Lisa e Ciça olhando os cachorros, Cris começando a gostar daquela vida na roça e Diogo plantando árvore.

Aí, nem lembro direito porque, Diogo precisou ir na cidade e eu e mamãe estávamos brincando com o Tomás.
Estou vendo Diogo me rodeando, me rodeando, como se quisesse falar alguma coisa.  E rodeava, rodeava, e nada...
Enquanto isso, eu desfilava com meu preparo físico de paciente renal crônico e mamãe manquitolava, apoiada no meu braço.

Foi quando Diogo falou, numa debochada preocupação:
-  Estou precisando ir na cidade.  Mas você e vovó juntos, não dá um.  Se eu deixar Tomás com vocês, vou ser julgado por abandono de incapaz...

E saiu, rindo do seu atrevimento



terça-feira, 15 de junho de 2010

Pra quê isto, minha gente? - 84



Este post, de novo, é uma homenagem e meu respeito pela Dra. Lilian Ribeiro, minha personal attorney.
E um alerta pra todo mundo que, como eu, precisar de remédio garantido como direito constitucional.

Outro dia foi uma turma de estudantes da Fumec fazer uma palestra na Hemo sobre os direitos do paciente renal.  Aí o pessoal explicou sobre o porque da gente estar dispensado de pagar imposto de renda, porque da gente receber os remédios de graça, porque quem é carente tem direito de andar de ônibus de graça, e mais um punhado de coisa.

Todo mundo atento.

Mas na hora que o povo foi embora, todo mundo resmungando, descrente da chance real de obter medicamento caro, via justiça.

Falo de novo, com o testemunho suplementar do Dr. Celso Ferreira, embaixador de Virginópolis e Guanhães no Rio de Janeiro:  Ministério Público é o canal.
O negócio funciona e quem não tem recursos, recebe toda a orientação de graça.

O pior é que parece negociação com camelô.  Os caras sabem que isto é direito constitucional mas sempre colocam trava.  Depois da bronca da Dra. Lilian, a remessa está chegando direto de Brasília.
Na primeira veio estoque pra 3 meses, agora está vindo outro.  Chegou pra ela o recibo do envio e ela me encaminha, pra eu acompanhar.
Com o Jeff da Cláudia foi igual.  Colocaram dificuldade, ele entrou na justiça e ganhou na terceira instância.

Daí, bacana, não dá mole pro responsáveis pela Saúde não.
Se você for pobre, vai no Ministério Público e acompanha os movimentos deles.
Se for rico, não fica com bobagem de não pegar o remédio porque não é justo. 

É sim.  

Ninguém vai ser privado de nada por você pleitear o que lhe é de direito.


domingo, 13 de junho de 2010

Futuro Profissional - 83


Eu fico falando que não mas, por mais que eu tente, fico sempre preocupado com o ofício dos meus filhos.  Tento não me meter (muito) mas o coração sempre sofre um apertozinho com as escolhas deles.
Quando Diogo resolveu fazer Relações Públicas, por exemplo, eu chorei.  Quando a turma dele me elegeu pra patrono, parei o discurso no meio várias vezes por causa do choro, de novo.

Mas é que nem o pai da Rijane, minha linda, falou uma vez, sobre a altivez e a autonomia da menina:
-   Eu só ensinei ela a voar.  O voo dela não me pertence.
Por mais que a gente tente não interferir, acaba deixando, nas entrelinhas, o desejo que, no fundo, nos inspira.  Mas sempre respeitando o limite, sabendo que quem decide são eles.

Pelo que eu ando vendo, o futuro profissional do Tomás já está desenhado.  Ou ele vai ser veterinário, jockey ou peão, protegido de Santo Antônio Pequenino, amansador de burro bravo, .

Outro dia Gêisa saiu com Carol pra comprar um tênis novo pra ele ir num aniversário de um colega da escolinha.  Saiu da loja com uma botina gomeira, preta, linda, que ele não tira do pé nem pra dormir.

Tomás só anda pela casa trotando, montado em cavalos imaginários, todos fogosos e ariscos, mas que ele mantém firme na rédea, sob o mais rigoroso controle.  Monta numa vassoura e, de repente, se joga no chão, me alertando:
-  Vô, chega pra lá que este aí é bravo.

Recentemente Tomás andava com um cavalo excepcionalmente bravo.  Mas bravo pra danar. 
De vassoura, claro.  O cavalo era um corisco de nervoso.
De repente, saiu correndo pela casa, gritando:
- Calma, Maurilo. Devagar, Maurilo. Quieto, Maurilo.
Como estava fazendo um frio de incomodar pinguim, Tomás pediu meu cachecol e deu pro Maurilo comer.  Queria que ele comesse uma coisa bem quentinha, pra esquentar.
Depois, levou o cavalo pra dormir no quarto dele.
    
Mó homenagem, eu achei...

Pra quem não conhece ele ainda, Maurilo é o homem do Pastelzinho e tinha acabado de lançar o “Todas as estrelas do mundo” e o “Estranhas histórias[1].  Eles devem ter se visto na porta do Clic, onde a Sophia também estuda.  Tomás, claro, se encantou com a figura.




[1] Saiu agora na Bienal do Livro, editado pela Argumentum.  Pra quem tem filho pequeno, é o maior adianto.
Já tentei fazer Tomás dormir umas três vezes com os livrinhos.  Mas ele fica siderado pelas ilustrações do Rogério Fernandes e interrompe minha locução de “...Senta que lá vem uma história!” o tempo todo.
Demora pra dormir mas fica mais tempo abraçadinho comigo.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Viajandão - 82



Serginho é meu irmão.  Ele e Cadado.  São filhos do tio Paulo, irmão do papai e da tia Maria do Rosário, que é irmã da mamãe[1].  Quando chegava as férias a gente virava filho da tia Augusta, lá em Valadares.
Semana passada a gente estava conversando na internet sobre música e ele me mandou um livro de presente:  Like a Rolling Stone.  Comecei a ler agora. O livro fala do impacto da música na nossa geração.
Ainda estou no comecinho mas o livro me fez pensar em alguns obstáculos da minha vida que eu tive ou ando tendo medo de transpor.

Outro dia passou um documentário sobre Paris e Gêisa falou da vontade de voltar lá.  Meu olho encheu dágua.  É que apesar de ter solução pra isto, eu ainda fico com medo de encarar a viagem.  Mas antes do final de 2011 eu arranjo coragem e conto pra vocês.

Lembrei também que, logo que eu voltei da operação, fiquei sabendo que o projeto sobre inovação que eu participei com Carlos Arruda para a Fiat tinha feito tanto sucesso que ia ser replicado em outros países pelo mundo.  E que eu, aposentado por invalidez, não poderia participar.  Fiquei pensando sobre como vai ser minha vida, sem poder dar aulas nunca mais.

Mais recente, ando numa torcida louca pela viagem que Eduardo e  Cynthia vão fazer.  Dudu viajou comigo pelo Brasil afora no treinamento pra mais de 1.000 empreendedores que a Fundação Dom Cabral fez para a Finep.  Ele cuidava de Finanças, com Marcelinho, e eu de Marketing, com Mansur.

Depois de ganhar fortunas com (e para) os Safra, Dudu resolveu se dar um ano sabático.  Vai com  sua amada empreender a Expedição Bordas do Brasil.  A idéia deles é percorrer 22.000 km rodando os limites, as fronteiras mesmo, do Brasil, a bordo de um Land Rover comprado especialmente pra viagem.  Devem visitar mais de 600 cidades.

Querem estudar o modelo de sustentabilidade das pequenas comunidades das fronteiras do Brasil.  É ver de que maneira esse povo sobrevive e como enxerga suas potencialidades.

Quando vi o projeto, passei a viajar com eles, que nem Fernando Pessoa conta no Trecho 452, do Livro do desassossego.  É assim:

Trecho 452 

O único viajante com verdadeira alma que conheci era um garoto de escritório que havia numa outra casa, onde em tempos fui empregado.  Este rapazito colecionava folhetos de propaganda de cidades, países e companhia de transportes; tinha mapas – uns arrancado de periódicos, outros que pedia aqui e ali –; tinha, recortadas de jornais e revistas, ilustrações de paisagens, gravuras de costumes exóticos, retratos de barcos e navios.  Ia às agências de turismo, em nome de um escritório hipotético, ou talvez em nome de qualquer escritório existente, possivelmente o próprio onde estava, e pedia folhetos sobre viagens para a Itália, folhetos de viagens para a Índia, folhetos dando as ligações entre Portugal e a Austrália.
Não só era o maior viajante, porque o mais verdadeiro, que tenho conhecido:  era também uma das pessoas mais felizes que me tem sido dado encontrar.  Tenho pena de não saber o que é feito dele, ou, na verdade, suponho somente que deveria ter pena; na realidade não a tenho, pois hoje, que passaram dez anos, ou mais, sobre o breve tempo em que o conheci, deve ser homem, estúpido, cumpridor dos seus deveres, casado talvez, sustentáculo social de qualquer – morto, enfim, em sua mesma vida.  É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que tão bem viajava com a alma.
Recordo-me de repente: ele sabia exactamente por que vias-férreas se ia de Paris a Bucareste, por que vias-férreas se percorria a Inglaterra, e, através das pronúncias erradas dos nomes estranhos, havia a certeza aureolada de sua grandeza de alma.  Hoje, sim, deve ter existido para morto, mas talvez um dia, em velho, se lembre como é não só melhor, senão mais verdadeiro, o sonhar com Bordéus do que desembarcar em Bordéus.
E, daí, talvez isto tudo tivesse outra explicação qualquer, e ele estivesse somente imitando alguém.  Ou ... sim, julgo às vezes, considerando a diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empres a própria inteligência astral, e que depois, talvez com pena, mas por uma lei alta, nos abandona, como as mães animais às crias crescidas, ao cevado que é o nosso destino.

E enquanto eu vejo Dudu e Cinthya preparando a viagem, eu viajo junto, mas com uma dorzinha no fundo do coração por não poder viver esta experiência com eles.  Mas, ainda assim, eu viajo junto. 

Experimenta pra você ver como a dica do Fernando Pessoa funciona. É só fechar os olhos e sair voando.  Você vai pra onde quiser.  Eu, pelo menos, vou sempre...
   
    


[1] Este negócio está dando a maior confusão.  Quem quiser fazer a árvore genealógica da minha família, acho melhor não usar esse livro como referência.  Ainda falta eu citar um punhado de mães que eu tinha em Governador.  E mais um punhado de irmãos.  Celsinho do Ti Zé, por exemplo, é meu primo.  Mas é tio do Diogo.
Um dia eu te conto...

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mão na roda - 81



Lúcia, mulher do Paulão[1] meu irmão mais velho, já foi engenheira de telecom uma vez na vida.  De uns tempos pra cá, terminou como melhor aluna o curso de Nutricionista.
Era daquelas alunas prego que entregava os trabalhos todos no dia, que nunca matava aula.  Aquele horror de aluna, que nós, vagabundos, odiamos.

Há pouco tempo, Lúcia resolveu fazer um pós-graduado em Nutrição Clínica.  Está especializando em soluções gastronômicas para pacientes com necessidades especiais.
  
Pra mim é o maior adianto.  Ela sempre me oferece uns cardápios bacanas onde arruma jeito de não deixar o sabor de lado, em meio àquele mar de restrições que eu falei com vocês no post do Prato do Dia.

E não é nada complicado, pra quem é do ramo[2] Eu, aprendi que minha maior competência é prestar atenção.  Acho melhor não me arriscar por aí...
Já você, se for tentar sem o mesmo preparo que ela, pode se complicar.  Olha só a receita pra iniciantes que ela me mandou:

“Oi Cesar[3],
Pensando em qual receita enviar, optei por colocar uma receita básica de caldo de carne (boi ou frango), que pode ser utilizado na preparação de diversos outros pratos como sopas, ensopados, cremes,etc. Esta preparação pode inclusive ser congelada e usada aos poucos. Depois então, uma receita de carne moída em que este caldo é utilizado. Se gostou da idéia, me fala que ai mando outra receita utilizando o caldo.

Receita 1  - Caldo de Carne

Ingredientes:
1 Kg de músculo ou de carcaça de frango
2,5 litros de água fria
1/4 xícara de chá de azeite
2 talos de aipo picado - pré fervido *
2 cenouras picadas - pré fervido    *
1 cebola picada
1 bouquet garni
1 colher de chá de sal
3 dentes de alho

Coloque todos os ingredientes numa panela, leve ao fogo e deixe cozinhando por 3 a 4 horas no fogo lento. Deixe no fogo forte até levantar a fervura. Retire toda a gordura e espuma que vier à superfície. Depois de bem cozido, retire a carne boi ou a carcaça de frango utilizado, o bouquet e os Vegetais. Passe o caldo no coador ou peneira ou fina. Leve à geladeira e se quiser um caldo mais light, retire a gordura que vier a superficie. Deixe na geladeira por 24 horas antes de utiliza-lo.
Bouquet Garni: faça um amarrado ou coloque dentro de um saquinho de tecido fechado: salsinha, tomilho, manjericão, cebolinha, folha de louro.
*Ferver por uns 5 minutos o aipo e a cenoura e desprezar a água deste cozimento antes de fazer a receita[4]


Receita 2  - Carne Moída com Pimentão

300 a 400 gramas de carne moída
2 colheres de sopa  rasas de margarina
2 pimentões médios
3 colheres  de sopa de purê de tomate
1 xícara de chá de caldo de carne
Sal  [5]
1 colher de sobremesa de sal/alho

Doure a carne na margarina,acrescente o sal/alho, mexendo sempre. Limpe os pimentões, parta-os em tirinhas e coloque na panela de carne, juntando com o purê de tomates. Junte o caldo de carne, prove o tempero. Cozinhe cerca de 15 minutos com a panela tampada.  Sirva com arroz.

Lucia”

Fala se com mais umas 3 ou 4 receitas que a Lúcia me mandar eu já não estou quase uma Ana Maria Braga?
Fala?
     
   
    

[1] Não acho a menor graça neste seu estupor que nós lá em casa estamos cansados de ouvir.  Uai, tem dois Paulos na sua casa?
Tem. 
Dois Paulos, dois Luiz, duas Marias e dois Henriques.  Três com papai.
E a gente é muito feliz assim, sem este seu sorrisinho de canto da boca.
Pronto.  Falei.
   
[2] Pra mim, então, é gênio, porque eu já compro dela pronto e não dá o menor trabalho.
   
[3] Conforme eu já tinha falado com você no post Crise de Identidade, Lúcia faz parte do povo de Valadares que me chama de César.
    
[4] Se você for paciente renal, não discute com a Lúcia obedece esta história de desprezar a água do cozimento.  Que nem te falei no Prato do dia, decora as recomendações e desiste de entender...
   
[5] Gêisa é mais radical.  Inventou um tempero à base de ervas finas (manjericão, alecrim, casca e suco de limão, sei lá o que mais) e faz maravilhas com zero sal.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Uma questão de perspectiva - 80

Há muito tempo atrás tive uma briga muito séria com mamãe.
Ela vivia stressada com as coisas que tinha que fazer, com as contas que tinha que pagar, com os controles que ela tinha que acompanhar no banco, blá, blá, blá...
Um dia, meio sem paciência, eu explodi e pedi que ela listasse este ror de coisa que eu ia acabar com este drama logo de uma vez e resolveria tudo pela internet.
Meio magoada, mamãe virou pra mim e falou:
-  Muito bonito!  E aí eu faço o quê, o resto do dia?

Lembrei desta história pra contar a você o caso do seu Chiquinho.

Na verdade o nome é seu Francisco mas num acesso de doçura a gente se refere a ele, escondido, como seu Chiquinho.  Seu Francisco tem 92 anos.  Há coisa de duas semanas ele apareceu na hemo.  Sei pouco a respeito dele.  Só que é todo bonitinho e distribui sorriso pra todo mundo quando chega.

Outro dia aconteceu um problema com ele.  Pode ser que isto seja uma coisa comum no começo do processo da hemodiálise.  Aconteceu comigo também.  Na história da Isadora eu falo sobre minhas dores de cabeça.

Mas aí, numa das primeiras vezes, a veia do seu Francisco teimou em não querer se mostrar.  Fugia da agulha feito o diabo da cruz.  Chegou a dar um hematomazinho.  Cuidadosa com a idade, Claudinha, nossa personal nurse, preferiu mandar ele pra casa.  E ligou pra família buscá-lo antes da hora prevista para o término da sessão.

Pra que...

Seu Chiquinho rodou a baiana.  Ligou do celular pra casa, que não era pra ninguém buscar ele antes da hora, falava com Claudinha que não queria ir mais cedo, que queria terminar a sessão, que nem que a vaca tossisse ele voltava mais cedo.  Um deusnosacuda...

Fala sério!?  E você aí, achando que eu sofro na hemo... 
Na verdade, nós todos ficamos é meio sem referência neste porto novo que estamos atracando.

Pelo menos pra mim e pro seu Chiquinho, é mais festa que choradeira.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Freak show - 79



Sexta feira passada foi aniversário da Nicinha, irmã da Gêisa.
Foi o bastante. 
Ciça agora me transformou nestes personagens bizarros de circo.  Mulher Barbada, o filho do gorila Mongo, estas coisas.

Chegando lá, não tenho a menor idéia de como e por que, o assunto caiu sobre a minha fístula.  Todo mundo queria experimentar, sentir que história era esta.

Na verdade, a fístula arteriovenosa é um canal entre a artéria e a veia que altera radicalmente o fluxo de sangue.  É uma coisa curiosa mesmo.  Dá pra escutar a veia fazendo tum, tum, tum, na batida que a gente está acostumado a associar com a batida do coração, e, ao mesmo tempo, ouvir o tiriti, tiriti, tiriti, nervoso da artéria.
No mínimo, surpreendente…

É por causa desta máquina maravilhosa que meu corpo reage à ausência do rim. Três vezes por semana, eu fico quatro horas ligado a esta maquininha aqui do lado, que “filtra” meu sangue,  que me é então devolvido pelo acesso vascular.

Na verdade, eu gosto muito deste desenho que mostra direitinho o processo.  Tudo controlado.  Mede pressão o tempo todo, monitora ganho e perda de peso, troca o dialisador com uma determinada frequência...

Eu fico maravilhado.

O que deixa o povo na hemo meio aborrecido é o fato de, pela coisa implicar em uma punção[1] a cada vez que a gente vai lá, a veia vai ficando com uma calosidade que parece uma prótese, de tão alta.

Tá.  Fica deveras meio esquisitaço, ver aquele calombo.  Justifica mesmo a curiosidade pelo lado freak que a Ciça gosta de explorar.

Mas quando eu penso no benefício que isto me gera, acho que é uma bobagem, preocupar com este detalhezinho estético...


[1] A punção é a perfuração da veia com uma agulha de injeção meio grossinha.  Tem vez que é meio punk...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Edição Extraordinária 15 - Se achando ...


Diogo já me recomendou segurar minha onda, que o livro não é meu.

Mas é meu sim.

Marca na sua agenda, arrebanha filho, sobrinho, afilhado, porque as festas do Marcelo costumam ser uma delícia.

Eu já até mudei minha hora de ir pro Meu Sítio pra levar o Tomás.

Se eu fosse você, não perdia por nada...