quarta-feira, 31 de março de 2010

PVC - 58



Hoje eu não estou bom não.  Estou mais estragado que o Valente nesta ilustração.

Começa que eu fiquei particularmente balançado quando começava a manhã com meu ritual diário, lendo o Eduardo Almeida Reis no Estado de Minas.  Ele fechava a coluna com a seguinte ruminança. de autoria de R. Manso Neto:
“Sinal seguro da velhice é quando os gases estrepitosos, conservando suas demais características, acrescentam o tom marrom.” 

Até hoje minhas manifestações, neste sentido, tem se mantido acromáticas.  Mas temo que eu esteja a um passo do depoimento pessoal do senhor R. Manso Neto.

Me[1] explico pra você, que não consegue mais manter a imparcialidade e quer hipotecar sua solidariedade pra Gêisa.  É que eu ando tomando remédio que não acaba mais.  Tem acetato de cálcio, um quelante, tem um coquetel de vitaminas pra anemia, tem daflon, pra circulação nas pernas, tem o sutent que é o mais poderoso, que substitui a quimio.  Este coquetel todo vem mesclado com as estratégias recomendadas pela Diana, minha personal nutricionist lá da clínica de nefrologia.  No dia da hemodiálise eu como uma laranja com a casquinha branca incluída e um mamão com semente e tudo.  Todo dia bebo meio litro de água, com duas ameixas secas deixadas em imersão por 24 horas.

Quer o que?  Não tem cidadão que fique  travado.  O resultado, entretanto, é meu respeito pela síndrome de Manso Neto...

Pra piorar a situação, fui chamado hoje, no INSS, para a perícia médica.
Fui lá com o relatório do Zéaugusto, meu personal nefrologist, e do Leco, meu personal oncologist. Lidos separadamente, até dá pra encarar.  Mas os dois juntos, é um estrago só.

Toda atenciosa, a médica me perguntou se eu concordava em ser encaminhado para a aposentadoria por invalidez.
Ela entendeu como uma anuência quando meu olho encheu dágua.
Fazer o que?  Eu não tinha muita alternativa.

Vingativo, na hora em que saia do prédio do INSS da Afonso Pena, deixei, atrás de mim um sonoro, e por enquanto acromático, torpedo.

Bem feito, pensei comigo...



[1] Antes do Cuca reclamar, já lembro a ele que pronome iniciando frase é aceitável quando o relato assume um tom coloquial, conforme nos garantiu o Aurélio, consultado pra um texto da Cedro...

domingo, 28 de março de 2010

Amor eterno - 57



Sábado foi aniversário da mamãe.  E ela lembrou de um poema com o qual papai fazia o maior sucesso, deixando ela de quatro, apaixonada.  Era assim:
“Esta que passa por aqui senhores
De olhos castanhos e fidalgo porte
É a princesa real dos meus amores
É a mais linda pérola do norte.”
Papai falava pra ela que ele tinha escrito.  Há pouco tempo eu quebrei o encanto e descobri o poema no Google.  Era uma estrofe do soneto Santa, de Hermeto Lima.
Ela continuou achando uma gracinha, ele ter mentido por amor...
    
Aí eu lembrei de uma história que aconteceu comigo.  Não lembro se era na Timbiras ou na Rio Grande do Sul.  Acho que era quando a gente morava pertinho do campo do Atlético.
Papai e mamãe ficavam em um quarto, Flavinha e Regina no outro e nós dividíamos o quarto mais legal, o da varanda, empilhados em camas beliche.

Na sala, pequena, a generosidade que papai e mamãe passaram pra nós tinha instalado uma porta sanfonada pra dar alguma privacidade para os hóspedes que, vez por outra, traziam notícia do nosso povo.

Um dia eu entro esbaforido pela casa.
-  Amanhã tem festa junina no jardim.
E não adiantou mamãe me explicar que uma festa assim não ia ser marcada de repente, que talvez fosse melhor ...
Eu lá, irredutível, com uma obstinação de taliban:
-  Amanhã tem festa junina no jardim.

Mamãe varou madrugada remendando uma roupa de jeca pra mim, sensibilizada com meu medo de perder a festa.

No outro dia eu atravesso Belo Horizonte todo orgulhoso, o jeca mais lindo que o sol já havia iluminado, com direito a bigode de rolha queimada e tudo.
Todo cheio de mim, eu fingia, superior, que não reparava os olhares de todo mundo, com aquela cena inusitada.

A cara de mamãe era a de quem se sentia insone, mas paga, me vendo, peito estufado, mostrando pro mundo minha beleza.

Chegando no Delfim Moreira é que eu entendi que minha excitação havia ensurdecido meus ouvidos, quando mamãe, a maior paciência do mundo, tentava me explicar.  A gente ainda esta no meio de maio.  A festa era só daqui a duas semanas.

Nós voltamos comigo aos prantos, só me consolando quando mamãe falava, no ônibus, que eu era o jeca mais lindo, o primeiro jeca a aparecer naquele ano.

Era assim, ela.  Pra satisfazer a gente, fazia até o improvável.

Cresci minha vida toda com o sentimento claro que eu era filho de rico.  Só muito tempo depois ficou evidente pra mim como eu compatibilizava este sentimento de riqueza com o parco soldo com o qual papai e mamãe criavam os sete filhos.

Eu me sabia amado.

E é este sentimento que dá força, todo dia, pro Valente distribuir porrada quando o tumor pensa em voltar.



sexta-feira, 26 de março de 2010

Luciano - 56



Nunca imaginei que eu fosse se dar bem assim com roça.  Roça pra mim era coisa de pobre.  Lugar pra você ir se não tivesse mais nada pra fazer.

Nunca me enganei tanto.  O Meu Sítio é igualzinho Camelot para os cavaleiros da Távola Redonda ou o Reino de Tule, na Skandia, pro pai do Valente.  É lá que eu quero ver meus netos crescendo e quando eu não estiver fazendo mais nada, é lá onde eu vou preferir não fazer mais nada.

Todo final de semana corro pra lá.  Cabem nos dedos da mão as vezes que eu  não pude ir, nestes últimos dez anos.  E quando acontece, coloco uma tromba na beiça assustadora.  Fico irrascível!
Quando eu arranquei fora o apêndice, Gêisa me enrolou por duas semanas, até voltar a rotina da viagem.  Tudo bem, estava doloroso balançar o esqueleto nos buracos da rua.  Mas cadê que eu tinha bom senso de esquecer o  findi no Meu Sítio?

Aí eu fico inventando razão pra poder ficar o final de semana todo por lá.
Qualquer coisa é motivo...

Semana passada, Frank foi conosco.  Frank é irmão do Diogo desde que foram colegas no Promove e é dono do humor mais refinado que eu conheço.  Rodrigo ganhou dele o direito de ser padrinho do Tomás por um fio de cabelo {1}.
Tinha sido aniversário da Raquel, mulher dele, e a gente resolveu fazer uma galinhada pra comemorar. 
Tudo correndo maravilhosamente bem, de repente, encontro Frank todo amuado em um canto. Pergunto:
-  Que cara é esta, rapá?

Resmungou ele, choroso:
-  Cansei de ser Luciano na vida.  Você conhece alguém que quer tirar retrato com o Luciano?  Você conhece alguém que pede autógrafo pro Luciano?  Todo mundo só quer o Zezé di Camargo.  Vocês só me chamaram por causa da Raquel.

Estourando de rir, falei  com ele:
-  Liga não, cara.  Eu também sou Luciano.  Zezé di Camargo aqui é Dona Gêisa...



{1}  No caso do Frank e do Diogo, isto é quase tudo...

quarta-feira, 24 de março de 2010

Tô por uma! - 55



Só o povo do Bamerindus, pra inventar esta coisa de que o tempo passa, o tempo voa.  Você não imagina o que é ficar sem ter o que fazer por quatro horas.

Pro Valente, então, acostumado a distribuir porrada nos tumores que anda(ra)m querendo me tirar do sério, nem se fala...

A sessão de diálise começa, religiosamente, às 7 da matina.  A gente chega lá às quase 7, tem que tomar o café pra não fazer a diálise de barriga vazia e sai 11 e pouco.  Segunda, quarta e sexta.
E não tem assunto que resista.  A gente brinca com o vizinho, briga com os técnicos da enfermagem, calcula quanto do seu sangue vai ser limpo nestas quatro horas com o fluxo de 350 ml/hora, lê, dorme, e nada do tempo voar, como dizia a propaganda enganosa.

Depois de um tempo, já virando freguês, me convidaram pra participar do bingo que o grupo faz, toda quarta e sexta.  Troço besta, este tal de bingo.  Como fica todo mundo escondido atrás das máquinas, é até estranho você, do nada, escutar alguém gritanto “-  Trinta e sete!”, “-  Quarenta e três!”.

Sem contar o fato de você estar com um braço imobilizado e ter que marcar o cartão, no meu caso, com a mão esquerda, a mesma mão que segura a cartela.
O mais legal é que o projeto é todo autogerido. 
Alguém compra as cartelas, alguém traz as prendas, alguém vai cantando as pedras, alguém confere, alguém entrega o prêmio, alguém recomeça.
E tudo acaba dando certo...

Mas como eu não queria parecer arrogante, acabei aceitando, com meu habitual ar blasé, me achando superior àquela atividade de pobre.  Lá fui eu, participar da história.

Sorte de iniciante, danei a preencher a cartela.  Toda hora saia um número que eu tinha.  De repente, eu lá, me achando em Las Vegas, estou com a cartela faltando só dois números, o 14 e meia meia.
A mulher fala o 14.  Tinha adrenalina até na máquina de diálise, quando eu escuto um voz, gritando com uma felicidade que não cabia naquele momento:
-  Bingo!

Meu coração se encheu do mais legítimo ódio e acho mesmo que, não estivesse eu ligado na máquina, ia cobrir este intrometido que me levou a prenda de porrada.

Desde este momento virei viciado no bingo.  Faço Gêisa fazer pão pra levar de prenda, compro mamão no supermercado...

Tudo isto pra, vez por outra, entrar em casa, orgulhoso, com um conjunto de vasilhas pra microondas de 1,99.



segunda-feira, 22 de março de 2010

Tatá



Logo que eu formei em Relações Públicas, em 74, ganhei uma bolsa, junto com Boni Fácil, para um curso de Especialização em Administração, oferecido pela João Pinheiro.
  
O curso era punk.  De começo de janeiro a fim de dezembro, aula na Pampulha de 8 da manhã às 6 da tarde.  Pra piorar, o programa era em convênio com a Columbia University, de New York, com os professores não fazendo o menor esforço pra falar em português.
Tudo na língua de Shakespeare, com um forte sotaque novaiorquino do William Damon, nosso professor de Finanças e de Operational Research.
    
Esta ralação me deu dois presentes inesquecíveis na vida.  Um, uma belíssima base em marketing.  E a outra, a turma que fez o curso comigo.  Nunca mais me separei de nenhum dos dois.
         
Gêisa morria de rir quando, vez por outra, o telefone tocava aqui em casa e o recado, enigmático, era dado:
-  Hoje tem.
Era a convocação pra gente se sentar em uma mesa de bar pra, fundamentalmente, rir uns dos outros.
E lá íamos todos.  João, Jorjão, Lucho, Muriaé, Biano, Tatá.  Esses, habitués.  Esporádicos, apareciam Boni, Flora, Evangelina, Hércules, Luiz Eymard, Jaldo.  Mesmo quando a gente não se encontrava, a gente era inseparável.
 
Nós ficamos um tempo sem nos ver.  Primeiro, depois que Tatá teve seu maxilar destroçado por um câncer avassalador.  Depois, o meu, mais discreto que o dele.

Há coisa de uns dois meses atrás, apareceram aqui em casa João, Tatá e Jorjão.  Pra me ver.
Tatá estava bastante orgulhoso de ter ganho a batalha e queria me dar uma injeção de ânimo.  Não restava nenhum traço da doença.  Ele estava lindo.
Me chamou duas vezes num canto, isolado da turma, pra me dizer:
-  Bichão, qualquer problema que você tiver, me chama e eu venho cá pra gente conversar.
Como as coisas estavam correndo bem, não liguei.
Tatá ligou, reclamando que eu não dava notícias.
É porque está tudo bem, dizia eu.
E Tatá desligava rindo.
          
Semana passada João veio cá em casa, no fim da tarde.  Sem pauta.  Só pra rir.
E contava do vexame que ele e Tatá passaram juntos, trazendo a baita lancha que Tatá tinha comprado em Santa Catarina.  Troço de cinema.  Dois motores, três cabines, chic no último. 
E João vomitando de lá até chegar em Angra.
Tatá tinha resolvido, depois da doença, dar atenção pras coisas que ele realmente gostava na vida.
   
Na madrugada de sábado pra domingo, um muro de concreto que avançava pela lagoa adentro, na Várzea das Flores, em Contagem, pregou uma peça na lancha do Tatá e nos deixou aqui, sofrendo com a ausência dele.
 

sábado, 20 de março de 2010

Isadora - 54


A bailarina Isadora Duncan revolucionou a dança quando incorporou leveza e liberdade aos movimentos então aprisionados pelo rigor da coreografia do balé clássico.  Nem por isto, entretanto, ela era menos obcecada com os seus bailados.

Tem uma frase dela que sempre me impressionou muito e que faz a gente pensar no desafio de enfrentar a folha de papel em branco.  Dizia ela:
“It has taken me years of struggle, hard work and research to learn to make one simple gesture, and I know enough about the art of writing to realize that it would take as many years of concentrated effort to write one simple, beautiful sentence.”
Se você me permite, de exibido, uma tradução livre, é mais ou menos assim:
Eu levei anos de luta, trabalho duro e pesquisa para aprender a fazer um gesto simples, e eu sei o suficiente sobre a arte de escrever para perceber que tomaria o mesmo tempo de esforço concentrado para escrever uma frase simples e bonita.

Com esta história que eu inventei de começar a escrever, minha veia resolveu assumir a personalidade da bailarina.  Minha veia se chama Isadora.

Isadora não para quieta.  O que transforma o trabalho da equipe de enfermeiros um desespero permanente.  A veia está lá.  É fácil de perceber, pelo tato.  Mas é só sentir a proximidade da agulha, na punção, ela sai, serelepe, bailando pelo braço afora.

E aí, não tem outro jeito.  É aquela série infindável de picadas dolorosas, seguindo a coreografia incansável de Isadora pelo meu braço afora.

Claudinha, minha personal nurse, fica num constrangimento só.  Teve um dia em que eu recebi doze picadas e Isadora lá, dançando, livre, leve e solta!

Só agora, com quase seis meses de hemodiálise, Isadora anda permitindo ser acessada sem maiores problemas.  Mais desenvolvida a veia,  Claudinha agora aprendeu a ir acompanhando os movimentos do bailado e está chegando nela com mais facilidade.

Mas ô veiazinha que deu trabalho...


sexta-feira, 19 de março de 2010

Edição Extraordinária 9 - Apenas o justo José



Estivesse eu no Meu Sítio, estaria assistindo a uma chuva gloriosa. Nem ia pensar em piscina.

Aqui em Minas Gerais a gente diz que é a Enchente das Goiabas. É com as chuvas de hoje que o Tom Jobim fala que fecha o verão. Quer dizer, choveu, choveu, não choveu, não chove mais.

Hoje é o último dia pra comer goiabas também. A partir de amanhã, não deve ter mais nenhuma no pé. Ou você ou os passarinhos já comeram tudo.
Mas como o tempo está uma doideira só, de repente até rola...

É que hoje é dia de São José, patrono do Valente e desta queda de braço nossa com este câncer que tentou nos tirar do sério desde o dia dos pais de 2009.
Aliás, falando nisto, hoje é que é Dia dos Pais em Portugal. O que, pra mim, faz muito mais sentido do que eleger uma data comercial pra vender presente.

Pra mim, a simbologia que envolve a figura de São José é fascinante. Um oficial de carpintaria respeitado que garantiu o provimento e a proteção da Sagra-da Família. Guardo muito a imagem do amor discreto e desprentencioso (e nem por isto menos ardente) e da suavidade que fez a flor nascer do cajado. Deve ser por isto que além de mim e do Valente, ele é também o patrono das questões ligadas à justiça social.

Gosto muito da idéia, se você for católico, de rezar pra São José continuar protegendo nossas famílias. E se não for, pensa uma coisa boa, e dedica pra todos os pais que você conheça.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Espelho, espelho meu - 53


Ives foi um dos pioneiros em design de embalagem em Belo Horizonte, quando empreendeu com seu irmão gêmeo, Marcílio, a Packaging Shop. O negócio deles deu tão certo que rendeu, por muito tempo, representações de empresas de embalagem por aqui e prêmios internacionais por aí afora.

Talvez por estar de saco cheio com a publicidade, Ives acabou enveredando para a gastronomia e hoje é um chef dos bacanas. Teve um restaurante e acho que hoje só cozinha por prazer.
Comi, há muito tempo, um pato com laranja da lavra dele que o sabor do bicho me inspira até hoje.

Encontrei com Ives outro dia, na rua, pouco antes da minha operação.

Eu estava indo a um cartório deixar uma procuração de plenos poderes pra Gêisa, just in case, se desse algum pepino com minha saúde.
Habitualmente ele me distingue com festa, efusivo mesmo, risonho.

Naquele dia, achei Ives abatido e meio sem gracinha.

Fiquei tão impressionado com o tanto que ele estava abatido que nem rendi muito assunto.
A conversa, que poderia se estender pela tarde toda com um tanto de histórias, limitou-se a um rápido oi, como vai, um abraço.
Fiquei sem graça mesmo com o tanto que ele estava abatidinho, coitado.

Outro dia, conversando com Jussara, que foi minha sub-editora chefe a vida toda, comentei com ela o encontro.

Morrendo de rir, Jussara me falou:
- Ele me disse que esteve com você. Ele até está fazendo hemodiálise também. Mas te achou tão abatido que preferiu nem puxar muito assunto...


EM TEMPO:  a história não ocorreu exatamente, jornalisticamente, assim.  Mas ficou mais engraçada deste jeito.  Liguei pro Ives pra combinar a mentira e ele me contou que já estava bom que nem côco, de rim novo.  Aí depois nós vamos contar o processo dele, de correr atrás, de mobilizar documentação pra entrar na fila do transplante, e tudo mais. 
Hoje ele está cheio de projetos bacanas.  Um livro de culinária pra paciente renal, umas visitas pra mobilizar os coleguinhas de hemodiálise e mais umas coisas que a gente vai acabar fazendo junto.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Crise de Identidade - 52



Desde pequeninho (1) , minhas tias de Governador e de Virginópolis me chamavam de Cesão. Com isto, meus primos todos adotaram a prática. Resultado: neguinho me chamando de Cesão (2), pode apostar que é parente e de Valadares (3).

Quando eu fui pro Pandiá, em já não sendo mais tão pequeninho assim, achei mais prudente ser identificado como Paulo César. Esta alcunha me seguiu no Duque de Caxias e no Loyola (4).

Do Loyola fui pro Estadual. E lá eu me perdi.
Por causa de Tomate, joguei minha vocação pro espaço. Aí vieram Betinha, Lu,...
Fiquei irremediavelmente perdido.
Por uma brincadeira do Marcelo, crooner da banda “Os Impossíveis” (5), começaram a me chamar de Paulinho.

E aí Paulinho me acompanhou no cursinho (6), na faculdade e depois na vida profissional. Menos no Estado de Minas que o João Bosco, de sacanagem, começou a me chamar de Paulo Coelho e a coisa pegou. Mas fora dali, todo mundo me conhece é por Paulinho mesmo.

Até que veio a história do tumor.

Todo mundo no hospital me chamava de Seu Paulo.
Todo mundo na UTI me chamava de Seu Paulo.
Todo mundo na Hemodiálise me chama de Seu Paulo.
Até Pedro, o motorista que a Bonequinha de Porcelana me arrumou, me chama de Seu Paulo.

Um dia, eu estava tão incomodado com esta história que, fingindo de distraído, fui com um crachá velho de uma atuação na Dom Cabral. Estava lá: Paulinho César.
Não adiantou nada. Eu desfilava pra lá e pra cá e o povo falando pra mim:
- Seu Paulo, o senhor esqueceu o crachá.

Com a idade e a barba branca já mais compatíveis com Seu Paulo, mesmo assim eu ainda vou demorar a me dar bem com este nome.

Seu Paulo.

Sei...


(1)  Por mais que você não acredite, eu já fui pequeno um dia

(2)  Menos Kika, Mariana e Lesel, que me chamam de Cesão, no maior deboche...

(3)  É engraçado.  Mas o Celsinho, por exemplo, paradoxalmente, tem mais intimidade comigo e me chama de César, em vez de Cesão.  Luiza, irmã da mamãe, também...

(4)  Não quero me deter muito nesta história porque todo mundo lá em casa, filho de soldado, estudou no Colégio Militar. Como eu ia ser padre, papai bancou o sacrifício de me manter no Loyola.
Até que, na 3ª série, tomei bomba. Em religião, você acredita?

(5)  Eu era backing vocal e pandeirista. Nosso maior momento de glória foi no baile de 15 anos da Rejane e um show que a gente deu na Imprensa Oficial. Marcelo na guitarra, Marcos no baixo, Gerson na bateria e eu, parecendo um Naná Vasconcelos, com meu pandeiro.
Loucura, loucura, loucura...

(6)  Aí Gêisa apareceu e tomou conta do pedaço...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Prisão domiciliar - 51

Tem um negócio que eu morro de medo na vida. É que eu acho que Deus sendo bom e justo como eu sei que ele é, no dia do Juízo Final ele não vai ter coragem de deixar ninguém de fora. Vão chegar aqueles casos escabrosos e Ele vai acabar arrumando um jeito de perdoar e deixar todo mundo entrar. Vai ficar na porta, dando cocão na gente, por ter deixando ele preocupado com o jeito que nós andamos levando a vida.

Mas vai acabar pondo pra dentro.

Aí, Lúcifer, amuado num canto por não ter ficado com ninguém, vai acabar pedindo perdão e voltando pro lado bom.

Mas Rijane, minha linda, fala que a única coisa com a qual ele não vai ser tão condescendente assim é com ingratidão.

É isto que eu morro de medo...

Fico pensando nestas coisas quando eu perco a paciência com o zelo da Gêisa e dos meninos aqui de casa. É o tempo todo me monitorando, cadê você, onde você vai, que hora volta,...

Leco, meu oncologista, morre de rir. Diz ele que eu até lido bem com esta coisa. Pelo menos não brigo e levanto no meio da consulta e vou embora, como já devem ter feito com ele.

Outro dia Lisa estava saindo de casa. Pedi carona até a Savassi, porque eu tinha que resolver uma briga minha com a TIM e queria comprar um livro no Pátio. E ela, imediatamente:

- Mamãe já sabe? Você precisa MESMO ir lá?

Não, Lisa! Eu quero é pirulitar. Dar um perdido. Só isto, minha filha. Será que é tão difícil de entender assim?

Aí, outro dia eu estava conversando com Marcelo Xavier, meu anjo da guarda, que entende como ninguém de prisão domiciliar. A gente estava tomando um sorvete e eu, lamuriento que só. Marcelo arrematou:

- Sofre não, bobo. Foge. No começo seu povo vai ficar assustado. Mas na hora que você aparecer de novo, eles vão ficar na maior felicidade.

Marcelo é um sábio...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Edição Extraordinária 8 - Um pouco de Heráldica



As turmas lá em casa vão sempre aumentando. Assim:
Fábia era colega do Diogo de Faculdade. Ganhou cota do Meu Sítio. Ela namorava com o Denis. Que ganhou cota do Meu Sitio.
Aí eles terminaram.
Fábia namora com o Kowalsky, que tem cota vitalícia no Meu Sítio.
Denis era casado com a Cris, que passou a ter cota no Meu Sítio com o Fernandinho e o Lucca. Agora, Denis namora com a Joana, que tem cota no Meu Sítio.
Bicolor, então, nem se fala. Toda hora inclui gente dele na lista de sócios.

Ahmed e Rui foi assim também, quando tomaram conta do pedaço. Lisa fez estágio na Agência Dez e pronto. Hoje, além da cota do Meu Sítio, toda festa que tem aqui em casa, Ahmed e Rui tem mesa na ala da Diretoria, com Camarote Vip e tudo.

Rui tomou pra si a empreitada de redesenhar o brasão do Reino de Tule, na Skandia (onde hoje é a Escandinávia), a terra da família do Valente. Foi de lá que o Rei Aguar de Tule, pai de Valente, foi expulso por Sligon, o Traidor.
E, acolhidos pelo Rei Artur, vieram morar no nordeste da Bretanha.
Depois, com a ajuda de Arn, cavaleiro de Camelot, Valente volta para recuperar seu trono. Mas isto já é outra história, que um dia eu te conto...

Rui fez o estudo de cores e a aplicação na camiseta. Coisa que deixaria o pai do Valente orgulhoso.

Hoje você só encontra esta camisa com poucas pessoas.
Uma, claro, o Tomás.
Paulo, pai da Carol, claro.
Outra, claro, o Rui.[1]
Meus médicos, claro, estão dentro. Leco, oncologista, Xande, urologista, e a Tetê e a Luiza, meus anjos da guarda das ressonâncias.
Liloca, minha adevogada.
E, last but not least, este locutor que vos fala.

Por um tempo vai ficar assim. Quando a gente cansar de fazer sucesso, talvez você consiga a sua.
Enquanto isto, se você precisar de ajuda alguma vez na vida, é só chamar que estes dois cavaleiros vêm te dar a mão.



[1] É possível que o Ahmed, fingindo inocente, pegue a camiseta do Rui e saia com ela, se achando, só pra causar. Idem o Diogo, com uma das minhas...

sábado, 6 de março de 2010

Ora pro nobis - 50




Ciça, conservacionista até o caroço, começa a dissertação de mestrado dela, a tal da Phyllogorgia Dilatata, uma cnidaria, anthozoa, das octocorallias[1], com uma frase do Frank Lloyd Right, que diz assim:
“Acredito em Deus, mas prefiro chamá-lo de Natureza”

Sineval, que não é fervoroso nem nada, uma vez listou pra mim mais de 200 nomes, sem pensar muito, de Allah.
O Poderoso, O Magnânimo, O Justo, e por aí vai.

Woody Allen fala que ele anda sempre com uma estrela de David, um crucifixo, um buda, ... Isto porque ele não quer perder o céu por uma questão de interpretação.

Luiz Marcelo, meu irmão que durante anos deu a cara da Guarani FM e que acabou deixando ela em primeiro lugar no IBOPE na classe AB, e que hoje é responsável pela programação da Inconfidência, substitui o Angelus, às 6 da tarde pela música do Tavinho Moura, Paixão e Fé. Gêisa assustou, uma vez, com a gente voltando do Meu Sítio e quando tocou a música, eu desabei a chorar, de pura emoção...

Margot e meus amigos espíritas referem-se a Ele como o Eterno.

Dayse, que era da minha turma da Alterosa, reuniu uma turma com quem ela faz Reiqui e um dia mandou Energia pra mim.

Gêisa conta que Lacan usava o conceito d'O nome do Pai, onde ele fala d'O Inominável.

Já o Valente, orientado por Merlin, o Mago, tinha sua conexão através da Espada Cantante. E não adiantava algum aproveitador querer fazer uso dela. Só os ungidos obtinham a proteção, com ela na mão.

Estou lembrando disto porque hoje é o Dia Mundial da Oração. E oração tem sido muito importante para mim neste momento da minha vida. As minhas e as suas, independente do nome que você quiser reservar pra Deus.

Tem um post, lá no comecinho, onde eu falo que São José é meu patrono. E que foi só conversando com ele que eu entendi direitinho o que este pacotinho que eu recebi está servindo pra eu melhorar minha vida.

Ainda bem que São José tem acesso direto e fácil com Ele.

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[1] Ou algo parecido...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Tempo Integral - 49



Ciça apresentou a dissertação de mestrado dela no Museu Nacional, no Rio, mais ou menos em abril de 2009. E veio pra Belo Horizonte, casinha do papai e da mamãe, pra organizar a vida, que, por dois anos, foi um stress só.
Era só preparar seminário, preparar texto, preparar o diabo, estas coisas normais mas enlouquecedoras de mestrado.

No frigir dos ovos, foi a primeira pessoa no mundo a descrever o ciclo reprodutivo da Phyllogorgia Dilatata. Se você não souber o que é isto, te digo, de antemão, que é um recife de coral, das Gorgônias.
Tudo bem? Melhor estar, porque mais que isto, não conte comigo.

Pouco depois dela ter chegado aqui em BH, apareceu minha doença. E quando eu voltei do hospital, Ciça foi a maior mão na roda, enquanto nós dois decidíamos, cada um a sua maneira, de que forma ia conduzir a vida.
Mão na roda pra mim e pra Gêisa.

Levava no médico, ajudava Diogo a olhar documentação no INSS, cuidava da casa quando Gêisa não podia, me buscava na hemodiálise, levava pra fazer exame de sangue, levava no banco,... Um desvelo incomparável.

Eu, igual um marajá, devia ser o único doente do mundo que tinha uma acompanhante com mestrado em biologia marinha.

Um dia, emocionado com o cuidado que ela me dispensava, fiquei deslumbrado, olhando o perfil lindo dela.
E, antes que ela se desse conta, falei:
- Filha, eu te agradeço por este apoio grande que você tem me dado e por esta dedicação que você está me dispensando desde que voltou.

Ciça nem tremeu. Continuou a dirigir e sem mesmo olhar pra mim, completou:
- Pai, foi até bom você ter tocado neste assunto. Você não acha que está na hora de assinar minha carteira?

E colocou o riso mais lindo do mundo na cara, enquanto eu ficava com os olhos cheios dágua, emocionado.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Peso Seco - 48


Como o nome diz, o Peso Seco guarda, em si, toda a essência da hemodiálise.

Do meu ponto de vista, de usuário, em linguagem vulgar[1], a hemodiálise existe só pra fazer o que seu rim não consegue mais: retirar do organismo o excesso de água. A máquina vai, durante a sessão, eliminando a água que, não fosse ela, iria inchando seus pés e levando sua pressão lá pra casa do chapéu. Quer dizer, adianta a vida do Valente.

Paralelamente, vai voltando para os níveis desejados seu potássio, seu sódio, seu fósforo, seu ferro, tudo enfim que você nunca se preocupou quando seu rim funcionava bacana.

Resumo da ópera: você atinge seu peso seco quando seu corpo está sem excesso de líquido. Só que a coisa não é simples assim. Tudo é tentativa e erro. Você vai baixando e suas reações vão sendo monitoradas. Só pra você ter uma idéia, eu fui pro hospital pesando 122, depois do regime sério que eu resolvi fazer. Depois da engordada (aquela história do pijaminha baby-look) e das emagrecidas, hoje estou com 114. Redondinhos, 30 kilos a menos que na minha época áurea.

No caso do Faustão, é notícia no Fantástico. No meu caso, a mídia nem se manifesta...

O problema é que para se chegar no peso seco, é só na tentativa e erro. Vai perdendo peso e avaliando. Os resultados adversos podem ser queda de pressão, cãibra, o diabo. Já tive que voltar na clínica pra tomar soro por causa de tonteira, depois de quase ter desmaiado na rua, por exemplo. Já acordei de madrugada, com a batata da perna retesada, sem estar fazendo uma gota de frio.

Hoje eu ando bem satisfeito com meus 114 kilos. Mas Diana, a nutricionista, quer tentar mais uma abaixadinha. Como minha comida está bem controlada, já tenho até esperança de, um dia, chegar nos 88, com o corpitcho de quando eu me casei com Gêisa.

Aí, sim, vocês verão o que é um ischpetáculo!!! [2]


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[1] Vulgar aí no sentido latino. Quer dizer, em condição de ser entendido pelo vulgo, o popular Zé Povinho.

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[2] Qualquer dia posto uma foto do casamento, pra quem duvidar...