sábado, 28 de novembro de 2009

A regra do jogo - 17



Eu já tinha percebido que minha sensibilidade estava à flor da pele. O choro vinha fácil e convulsivo.
Gêisa e os meninos ficavam apavorados, quando me viam me debulhando em lágrimas, achando que era depressão das brabas.

Pra mim, não tinha o menor problema. Sabia que não tinha uma gota de desespero no meu choro. Era tudo choro bom.

Mas eu já tinha percebido como a coisa funcionava. Da mesma forma que eu, quando morava na França, comecei a identificar procedência das pessoas (cara de português, cara de espanhol, cara de escocês), comecei a ficar craque em perceber quem me fazia bem, quem me trazia boas lembranças. Eu comecei a perceber quem me dava força e, mais importante, como estabelecer a relação de forma que a pessoa me gerasse bem estar. No princípio fiquei com medo disto ser uma reação meio egoísta. Mas no final, percebia que isto acabava fazendo bem à pessoa com quem eu estava me relacionando também.

Foi ótimo. Aprender isto fez minha relação com a equipe de enfermagem (os técnicos [1] e enfermeiros) ficar muito mais doce e suave. O jeito que eu recebia eles determinava o padrão da relação. Aí, eu dei a maior sorte. Só caía gente boa na minha mão. Teve só um dia que deu errado. Mas é história lá pra frente ...

Mais tarde, vi esta tática descrita, cientificamente. Está no livro “A cientista que curou seu próprio cérebro”[2], da Dra. Jill Bolte Taylor. A autora é pósdoutora em neuroanatomia e dava seus cursos em Harvard. E não é que, ironia, a menina teve um derrame...? É curioso ver ela contando da coisa com o rigor de uma cientista do ramo e depois como ela reagiu a isto.

No livro ela fala que havia aprendido a identificar gente que supria e gente que drenava a energia dela. E como ela ia se aproximando mais de uns e se afastando dos outros. Acho que era mais ou menos isto que eu fazia, meio que institivamente.

Ao mesmo tempo, ia lembrando de gente que, ao longo da minha vida foi me ajudando a crescer. Aí, era aquela rotina. Eu lembrava e chorava, lembrava e chorava ...

Só não dava certo com o Xande. Com a cara mais lavada do mundo, ele me manteve, inflexível, os oito dias previstos na UTI me garantindo, todos os dias, que amanhã, no máximo depois, ele ia me tirar dalí e me mandar pro quarto.



[1] Apesar de eu já ter aprendido isto no meu período de Santa Casa, Cláudia do Wagner, minha paixão de faculdade (o Wagner não, a Cláudia), que é enfermeira, fez questão de que isto fosse explicitado.
[2] Quem me deu o livro foi Ju, doutora bambambam em biologia na USP e filha do Sineval, meu irmão de São Paulo. Que, além de fazer um trabalho belíssimo em Liderança e Criatividade, é da Velha Guarda da Escola de Samba Águia de Ouro (a Ju não, o Sineval).

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