Aliás[1], temos que convir que relógio de UTI tem seu lado bom. Tempo era o que não me faltava.
Nem interlocutor.
Como as visitas eram proibidas e eu ficava sozinho o dia quase todo (e a noite também), eu buscava quem eu quisesse e batia longos papos.
O povo da enfermagem ali, meio cabreiro, achando que eu estava delirando.
Que nada. Eu estava virando um contador de história. Estava repassando minha vida toda para o Valente, que eu ainda nem sabia que existia.
Lembrava de mamãe me esperando acordar no Delfim Moreira. Do tempo e do jeito que eu voava. Do dia que eu caguei nas calças e passei na frente da minha paixão, todo fedorento, em Vila Velha. Lembrava de eu e Cuca no Pandiá, do tanto que Dona Olga era doce e a Lilu era linda. Do dia que eu ganhei a bola de futebol de salão como melhor aluno de matemática do Duque de Caxias. Da minha ida pro Loyola (pegando carona na Rural com Dona Hayde) porque queria ser padre e tomei bomba em religião. Lembrava da minha ida pro Estadual, onde era percussão e backing vocal d’Os Impossíveis com Marcelinho. Da Teresa e da Ligia, da Betinha e da Tânia, do Augusto me ajudando a dar o maior agá no seu Pedro pra poder beijar eu a Lu e ele a Beth, as duas irmãs da Luiza, o meu anjo da guarda que primeiro identificou a p!+{Ü do tumor...
Lembrava de eu chegando pra Almir e perguntando qual era o telefone do Arroz Paranaíba, cliente da Meta. E ele respondendo, sem tirar o olho do que estava fazendo:
- Procura no catálogo, na letra A, de Arroz Paranaíba.
Almir era assim. A gente era colega de escola e ele assumiu, do nada, a tarefa de me transformar de menino mimado em profissional e me fez desenvolver iniciativa e visão de projeto. Dava autonomia pra gente a semana toda e sábado tinha a “Sessão de Esporro”. Era como Vítor e eu chamávamos as reuniões de feedback, onde Almir se fazia de Mentor a nós, seus Telêmacos, apontando o que tínhamos feito certo e corrigindo o que tínhamos errado.
Eu lembrava disto e chorava.
Lembrava de Herval, diante do meu pedido de demissão da Vale porque eu não estava gostando do trabalho que estava sendo feito em Vitória, todo cuidados, me perguntando:
- Te interessa saber minha opinião?
O engraçado é que eu nem lembro do que a gente conversou depois. Mas esta pergunta ficou para sempre gravada em mim como marco do respeito do limite na relação entre duas pessoas.
Lembrava da ousadia do Emerson, visionário, me falando:
- Estou indo pra Brasília amanhã, fechar um acordo com o governo da França. Não sei pra onde, não sei pra que, não sei pra ganhar quanto. Mas se fechar é você. Quer?
Aceitei na hora.
Falei com a Gêisa, com a mesma (im)precisão que ele tinha me falado.
Ela aceitou na hora.
Eu lembrava disto e chorava.
Lembrava de eu, ouvindo do Sílvio:
- Não preocupa que eu não deixo ninguém encostar a mão em você. Mas eu não quero que você vá pra casa sem experimentar tudo.
E completava, com um sorriso irônico:
- Mas acerta de vez em quando, ...
Eu lembrava disto e chorava.
Lembrava de Camilo me dando boas-vindas e definindo, na lata, como ele adorava fazer:
- Gordinho, nós só vamos brigar se você errar duas vezes do mesmo jeito.
Eu lembrava disto e chorava.
E lembrava de Gêisa e dos meninos, da mamãe e dos meus irmãos, todo mundo se fazendo de forte, chorando escondido, pra não me deixar esmorecer.
Lembro de tudo isto até hoje, e choro, emocionado com o apoio que todo mundo me dá.
[1] Herval, designado pelo Alberico pra ser nosso mentor na Vale, dizia que o grande desafio da vida dele era começar um texto por Aliás. Lembrei dele hoje, enquanto escrevia e chorei, de pura saudade...